terça-feira, 27 de março de 2012

Espiritismo e Consciência de Krishna - parte 2




Espiritismo e Consciência de Krishna:

Um Estudo Comparativo em Transmigração da Alma,

Posição dos Espíritos (Bhutas), Epistemologia e Objeto de Culto



PARTE 2 de 4

Uma análise da posição dos espíritos segundo o espiritismo

Em O Evangelho Segundo o Espiritismo*, o espiritismo promove-se como sucessor de Jesus em ensinamentos, valendo-se das passagens bíblicas que se referem ao “Espírito de verdade”, a saber, João 14:17, 15:26 e 16:13: “O Espírito de verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece; mas vós o conheceis, porque habita convosco, e estará em vós. Mas, quando vier o Consolador, que eu da parte do Pai vos hei de enviar, aquele Espírito de verdade, que procede do Pai, ele testificará de mim. Mas, quando vier aquele, o Espírito de verdade, ele vos guiará em toda a verdade; porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará o que há de vir”**.

*KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Brasília: FEB, 1996

**bibliahabil.com.br

Podemos identificar quatro atributos (mais do que isso tornaria este muito longo) para análise do Espírito de Verdade segundo os referidos versos bíblicos: O Espírito de Verdade procede do Pai; não ensinará algo diferente do que Jesus disse; guiará as pessoas em toda a verdade; e não falará de si mesmo, mas antes do que houver ouvido.

O Consolador é identificado nas obras canônicas do espiritismo como o próprio espiritismo, como em A Gênese* (1.42): “O espiritismo realiza todas as promessas do Cristo a respeito do Consolador anunciado”, e o Espírito de Verdade é aquele que inspira (1.39) e preside (1.40) essa doutrina. Em termos práticos, podem-se analisar os quatro atributos no espiritismo como uma análise paralela do Espírito de Verdade, pois, uma vez que o espiritismo, o Consolador, é “inspirado” e “presidido” pelo Espírito de Verdade, não pode haver diferença ou contradição doutrinária entre os dois.

*KARDEC, Allan. A Gênese. Brasília: FEB, 1995

Então, um estudo esmerado do espiritismo mostra os quatros atributos que selecionamos acima? Analisemos cada um.

O Espírito de Verdade “procede do Pai” significa que ele já esteve com o Pai, isto é, já O viu e O conhece, o que é possível segundo o Livro dos Espíritos (1.1.11): “Será dado um dia ao homem compreender o mistério da Divindade? ‘Quando não mais tiver o espírito obscurecido pela matéria. Quando, pela sua perfeição, se houver aproximado de Deus, ele O verá e compreenderá’”. Assim, o Espírito de Verdade, que procede do Pai, deve ser alguém que viu Deus e O conhece, o que nenhum espírito que se comunicou conosco disse ter feito. Dizer que “vem do Pai” significa que os espíritos são partes de Deus e criados por Ele, daí “virem do Pai”, seria algo sem sentido, pois os espíritos em estado encarnado também veem do pai, de modo que “vir do Pai” não pode ser uma questão ontológica.

O Espírito de Verdade não ensinará algo diferente do que Jesus ensinou. No velho testamento, aceito por Jesus, visto que não veio negar a lei, mas cumpri-la (Mateus 5:17), encontramos: “Entre ti não se achará quem faça passar pelo fogo a seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro. Nem encantador, nem quem consulte a um espírito adivinhador, nem mágico, nem quem consulte os mortos. Pois todo aquele que faz tal coisa é abominação ao SENHOR; e por estas abominações o SENHOR teu Deus os lança fora de diante de ti”. (Deuteronômio 18:10-14)

Jesus também ensinou que o mandamento maior é Amar a Deus, e o segundo mandamento é amar o próximo: “Mestre, qual é o grande mandamento na lei? E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mateus 22:36-39). O capítulo do Evangelho Segundo o Espiritismo que trata deste assunto, curiosamente, traz o título do segundo mandamento mais importante, Amar o Próximo como a Si Mesmo. Embora seja citada toda a passagem bíblica que aqui citei, quando os espíritos a comentam, eles não dizem absolutamente nada sobre o primeiro mandamento, que Jesus disse ser o mais importante, mas comentam apenas o segundo. Seu comentário completo a estes dois mandamentos é este:

“Amar o próximo como a si mesmo: fazer pelos outros o que quereríamos que os outros fizessem por nós” é a expressão mais completa da caridade, porque resume todos os deveres do homem para com o próximo. Não podemos encontrar guia mais seguro, a tal respeito, que tomar para padrão, do que devemos fazer aos outros aquilo que para nós desejamos. Com que direito exigiríamos dos nossos semelhantes melhor proceder, mais indulgência, mais benevolência e devotamento para conosco, do que os temos para com eles? A prática dessas máximas tende à destruição do egoísmo. Quando as adotarem para regra de conduta e para base de suas instituições, os homens compreenderão a verdadeira fraternidade e farão que entre eles reinem a paz e a justiça. Não mais haverá ódios, nem dissensões, mas, tão-somente, união, concórdia e benevolência mútua. (Evangelho Segundo o Espiritismo 11.4)

Assim, fica claro que o espiritismo estabelece a comunicação com os mortos, tida pelo velho testamento como “abominação ao Senhor”, e coloca o segundo mandamento de Jesus como o primeiro, alteração esta facilmente assimilável à primeira constatação de não conhecerem Deus, prerrogativa para amá-lO. A adoração a Deus é irrelevante em uma religião cuja lei de ação e reação é soberana, haja vista que um ateu caridoso tem o mesmo destino de um teísta caridoso que louva a Deus em oração e cânticos. Deus é mero dador das reações, quer boas, quer ruins, o que O torna mecânico ou impessoal e, logo, irrelevante*.

*As primeiras perguntas de Allan Kardec são sobre Deus, e as respostas são descrições meramente mecânicas: “Que é Deus? ‘Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas’. Onde se pode encontrar a prova da existência de Deus? ‘Num axioma que aplicais às vossas ciências. Não há efeito sem causa. Procurai a causa de tudo o que não é obra do homem e a vossa razão responderá’”. (Livro dos Espíritos 1.1.1 e 4)

O Espírito de Verdade também guiará as pessoas em toda a verdade. Contudo, se os espíritos não conhecem tudo, como já citamos – “Os próprios espíritos longe estão de tudo saberem e, acerca do que não sabem, também podem ter opiniões pessoais* mais ou menos sensatas” (Livro dos Espíritos p. 303) – como poderão ensinar tudo? O Espírito de Verdade tem mesmo de ser alguém que vem do Pai, pois apenas semelhante pessoa pode tudo saber, ou então ser o próprio Pai, como defendem os Católicos, que afirmam o Espírito de Verdade ser o Espírito Santo, termo este equivalente na consciência de Krishna a Paramatma**.

*Não haveria problema algum nessa divisão de opiniões caso o espiritismo se reduzisse à posição de pesquisa científica e filosófica, como por vezes faz. Contudo, ao se atribuir valor divino, como ter vindo do Pai e só dizer o que ouve, a existência de diversas opiniões lança-lhe descrédito. Os mestres do Movimento Hare Krishna também atribuem a si o valor divino de só dizerem o que ouviram de Deus – como registradas Suas palavras pelo avatara Vyasadeva no Bhagavad-gita – porém, em coerência, jamais se vê que tenham opiniões diferentes, pois todos respondem as perguntas pelo que ouviram do Bhagavad-gita; no caso da transmigração da alma, que a alma que habita corpos humanos atualmente pode e passa por corpos animais. Sobre isso, Srila Prabhupada comenta:

“Mediante avanço especulativo, ninguém é capaz de chegar à plataforma real de conhecimento. No presente momento, muitíssimos filósofos, cientistas, estão tentando avançar em conhecimento através da especulação: ‘Eu acho’, ‘Na minha opinião’, ‘Talvez’ e assim por diante. Isso continua. Grandessíssimos filósofos, cientistas, eles dão sua opinião. Todos estão achando. ‘Eu acho...’. E isso está sendo apoiado. Conhecimento tornou-se sinônimo de poder pensar de qualquer maneira, e, no momento atual, isso está sendo aceito”. (palestra em 19 de abril de 1974, Hyderabad)

Sobre o guru, ou mestre, fidedigno, diz:

“O guru [mestre] é um. Embora centenas e milhares de acaryas [mestres exemplares] tenham ido e vindo, a mensagem é a mesma. Portanto, o guru não pode ser dois. O verdadeiro guru não falará algo diferente. Alguns gurus dizem: ‘Na minha opinião, você deve ser assim’, e alguns gurus dirão: ‘Na minha opinião, faça assim’ – eles não são gurus; são todos velhacos. O guru não tem opinião pessoal. O guru tem apenas uma opinião: a opinião que foi expressa por Krishna [Deus]”. (Palestra em 22 de agosto de 1973, Londres)

**Palestra de Srila Prabhupada em Londres sobre o Bhagavad-gita 1.15, em 15 de julho de 1973

Outro atributo do Espírito de Verdade é que “não falará de si mesmo, mas antes do que houver ouvido”. Este é o atributo essencial de um mestre espiritual segundo a consciência de Krishna, que ele tem de ter ouvido de uma autoridade, que ouviu de outra autoridade e assim por diante até que a primeira autoridade tenha sido alguém que ouviu do próprio Deus, como descrito no já citado Livro dos Espíritos 1.1.11. Para maior credibilidade, é importante também que essa ordem de Deus que é transmitida adiante também possa ser uma fonte primária para quem a recebe, isto é, deve-se poder consultar tanto o mestre que traz o conhecimento acerca de Deus como Deus diretamente na obra que registra as palavras de Deus, ou, caso contrário, a relação com o mestre será de mera fé em alguém cuja autenticidade não se pode determinar. Vemos que os espíritos, no entanto, não têm essa posição de que receberam instruções superiores e assim por diante até alguém que está em contato com Deus, supostamente o Espírito de Verdade, senão que têm opiniões e investigam o universo, Deus etc. através de suas experiências. Por exemplo, o estudo da origem do Universo e dos mundos se dá pela disciplina da Ciência, e não por revelação de uma autoridade infalível:

A história da origem de quase todos os povos antigos se confunde com a da religião deles, donde o terem sido religiosos os seus primeiros livros. E como todas as religiões se ligam ao princípio das coisas, que é também o da Humanidade, elas deram, sobre a formação e o arranjo do Universo, explicações em concordância com o estado dos conhecimentos da época e de seus fundadores. Daí resultou que os primeiros livros sagrados foram ao mesmo tempo os primeiros livros de ciência, como foram, durante largo período, o código único das leis civis.

Nas eras primitivas, sendo necessariamente muito imperfeitos os meios de observação, muito eivadas de erros grosseiros haviam de ser as primeiras teorias sobre o sistema do mundo. Mas, ainda quando esses meios fossem tão completos quanto o são hoje, os homens não teriam sabido utilizá-los. Aliás, tais meios não podiam ser senão fruto do desenvolvimento da inteligência e do consequente conhecimento das leis da Natureza. À medida que o homem se foi adiantando no conhecimento dessas leis, também foi penetrando os mistérios da criação e retificando as ideias que formara acerca da origem das coisas.

Impotente se mostrou ele para resolver o problema da criação, até ao momento em que a Ciência lhe forneceu para isso a chave. Teve de esperar que a Astronomia lhe abrisse as portas do espaço infinito e lhe permitisse mergulhar aí o olhar; que, pelo poder do cálculo, possível se lhe tornasse determinar com rigorosa exatidão o movimento, a posição, o volume, a natureza e o papel dos corpos celestes; que a Física lhe revelasse as leis da gravitação, do calor, da luz e da eletricidade; que a Química lhe mostrasse as transformações da matéria e a Mineralogia os materiais que formam a superfície do globo; que a Geologia lhe ensinasse a ler, nas camadas terrestres, a formação gradual desse mesmo globo. À Botânica, à Zoologia, à Paleontologia, à Antropologia coube iniciá-lo na filiação e sucessão dos seres organizados. Com a Arqueologia pode ele acompanhar os traços que a Humanidade deixou através das idades. Numa palavra, completando-se umas às outras, todas as ciências houveram de contribuir com o que era indispensável para o conhecimento da história do mundo. Em falta dessas contribuições, teve o homem como guia as suas primeiras hipóteses.

Por isso, antes que ele entrasse na posse daqueles elementos de apreciação, todos os comentadores da Gênese, cuja razão esbarrava em impossibilidades materiais, giravam dentro de um círculo, sem conseguirem dele sair. Só o lograram, quando a Ciência abriu caminho, fendendo o velho edifício das crenças. Tudo então mudou de aspecto. Uma vez achado o fio condutor, as dificuldades prontamente se aplanaram. Em vez de uma Gênese imaginária, surgiu uma Gênese positiva e, de certo modo, experimental. O campo do Universo se distendeu ao infinito. Acompanhou-se a formação gradual da Terra e dos astros, segundo leis eternas e imutáveis, que demonstram muito melhor a grandeza e a sabedoria de Deus, do que uma criação miraculosa, tirada repentinamente do nada, qual mutação à vista, por efeito de súbita ideia da Divindade, após uma eternidade de inação.

Pois que é impossível se conceba a Gênese sem os dados que a Ciência fornece, pode dizer-se com inteira verdade que: a Ciência é chamada a constituir a verdadeira Gênese, segundo a lei da Natureza. (A Gênese 4.1-3)

É claro que, assim como os atuais cientistas acreditam que, embora todos os cientistas antes deles estivessem errados, eles agora não o estarão pelo aprimoramento de suas ferramentas; serão muitos aqueles, na mentalidade cientificista da contemporaneidade, a acreditarem que as ferramentas dos espíritos desencarnados serão suficientes para esse exame. Em todo caso, não é possível atribuir a tais espíritos o caráter de “falam o que ouvem”.

Assim, parece evidente que o espiritismo não tem todos ou nenhum dos atributos que se espera no que Jesus descreveu como Espírito de Verdade e Consolador, fazendo parecer, destarte, que o uso bíblico é apenas um artifício de autopromoção com a atitude de aproveitar de um corpo textual bem estruturado e famoso para isso, tal qual fez Gandhi em relação ao Bhagavad-gita. Contudo, façamos outra reflexão. Se o espiritismo veio para adicionar aos ensinamentos de Jesus a explicação de como as pessoas sofrem por reações a atos de vida passada*, o que não podia ser explicado 2.000 anos atrás onde Jesus pregou, o que podemos esperar dos ensinamentos da Índia, onde se falou o Bhagavad-gita 5.000 anos atrás, no qual se fala claramente de tudo o que o espiritismo fala apenas hoje? No Bhagavad-gita, temos instruções claras sobre caridade, reencarnação, amor a Deus e assim por diante. Se 5.000 anos atrás, 3.000 anos antes de Jesus poder falar limitadamente, e quase 5.000 anos antes do espiritismo poder falar o que fala hoje, o povo da Índia estava pronto para esse conhecimento, o que será que podemos aprender com a Índia hoje, especialmente em uma sucessão ininterrupta de mestres e discípulos desde o Bhagavad-gita 5.000 anos atrás, sucessão esta representada, entre outros, por Prabhupada, o fundador do Movimento Hare Krishna?

*“[O espiritismo] vem, finalmente, trazer a consolação suprema aos deserdados da Terra e a todos os que sofrem, atribuindo causa justa e fim útil a todas as dores”. (Evangelho Segundo o Espiritismo 6.4)

Sobre caridade, entre outros versos, Krishna, ou Deus, diz no Bhagavad-gita (17.20-22, 18.22,68):

A caridade dada por dever, sem expectativa de recompensa, no local e hora apropriados e dada a alguém digno, está no modo da bondade. Mas a caridade executada com expectativa de alguma recompensa, ou com desejo de resultados fruitivos, ou com má vontade, diz-se que é caridade no modo da paixão. E a caridade executada em lugar impuro, em hora imprópria e feita a pessoas indignas ou sem a devida atenção e respeito diz-se que está no modo da ignorância. Os atos de sacrifício, caridade e penitência não devem ser abandonados, mas sim executados. Na verdade, sacrifício, caridade e penitência purificam até as grandes almas. Para aquele que explica aos devotos este segredo supremo, o serviço devocional puro está garantido, e, no final, ele voltará a Mim. Não há neste mundo servo que Me seja mais querido do que ele, tampouco jamais haverá alguém mais querido.

Sobre reencarnação, diz (22.12-17, 20-25 e 28-30):

Nunca houve um tempo em que Eu não existisse, nem você, nem todos esses reis, e, no futuro, nenhum de nós deixará de existir. Assim como a alma encarnada passa seguidamente, neste corpo, da infância à juventude e à velhice, da mesma maneira, a alma passa para outro corpo após a morte. Uma pessoa sóbria não se confunde com tal mudança. Ó filho de Kunti, o aparecimento temporário da felicidade e da aflição, e o seu desaparecimento no devido tempo, são como o aparecimento e o desaparecimento das estações de inverno e verão. Eles surgem da percepção sensorial, ó descendente de Bharata, e precisa-se aprender a tolerá-los sem se perturbar. Ó melhor entre os homens [Arjuna], quem não se deixa perturbar pela felicidade ou aflição e permanece estável em ambas as circunstâncias, está certamente qualificado para a liberação. Aqueles que são videntes da verdade concluíram que não há continuidade para o inexistente [o corpo material] e que não há interrupção para o existente [a alma]. Eles concluíram isto estudando a natureza de ambos. Saiba que aquilo que penetra o corpo inteiro é indestrutível. Ninguém é capaz de destruir a alma imperecível. Para a alma, em tempo algum existe nascimento ou morte. Ela não passou a existir, não passa a existir e nem passará a existir. Ela é não nascida, eterna, sempre existente e primordial. Ela não morre quando o corpo morre. Assim como alguém veste roupas novas, abandonando as antigas, a alma aceita novos corpos materiais, abandonando os velhos e inúteis. A alma nunca pode ser cortada em pedaços por arma alguma, nem pode ser queimada pelo fogo, ou umedecida pela água ou definhada pelo vento. Esta alma individual é inquebrável e indissolúvel, e não pode ser queimada nem seca. Ela é permanente, está presente em toda a parte, é imutável, imóvel e eternamente a mesma. Diz-se que a alma é invisível, inconcebível e imutável. Sabendo disto, você não deve se afligir por causa do corpo. Todos os seres criados são imanifestos no seu começo, manifestos no seu estado intermediário, e de novo imanifestos quando aniquilados. Então, qual a necessidade de lamentação? Alguns consideram a alma como surpreendente, outros descrevem-na como surpreendente, e alguns ouvem dizer que ela é surpreendente, enquanto outros, mesmo após ouvir sobre ela, não podem absolutamente compreendê-la. Ó descendente de Bharata, aquele que mora no corpo nunca pode ser morto. Portanto, você não precisa afligir-se por nenhum ser vivo.

Sobre o amor a Deus, diferentemente do espiritismo, a consciência de Krishna sabe conciliá-la com a lei do karma, sem retirar o panorama de misericórdia e a importância do louvor exclusivo a Deus. Na consciência de Krishna, não se alcança Deus através do acúmulo de bom karma, senão que este conduz a alma apenas a dimensões superiores de conforto, conhecimento e bondade. Contudo, a lei do karma é a resposta de Deus às almas que não quiseram morar no reino dEle, onde Ele controla tudo. Assim, rebeldes do controle de Deus, Deus cria-lhes o mundo material – que inclui a morada dos espíritos –, onde elas mesmas são as controladoras e Ele nada faz, isto é, os atos das almas condicionadas determinam sua ventura ou desventura, não Deus. Querer chegar a Deus pelo acúmulo de bom karma é manter a mentalidade de ser o controlador e autossuficiente: “Sou alguém que pode sair do mundo material por meu próprio esforço e mérito”. Quando alguém se rende a Deus, ele se livra tanto do bom karma quanto do mau karma, tornando-se akarma*, isto é, tornando-se alguém que não terá mais nenhuma existência promovida por seus próprios atos, mas existirá no reino de Deus, onde Deus é o controlador direto. Estas e outras instruções estão no Bhagavad-gita claramente.

*“Aquele ocupado em serviço devocional se livra tanto das boas quanto das más reações, mesmo nesta vida. Esforça-te, portanto, pelo yoga, que é a arte de todo trabalho”. (Bhagavad-gita 2.50)

Em resumo, pode-se ver o espiritismo como uma revelação inválida porquanto não sustenta os atributos que diz ter, lembrando, proceder do Pai; não ensinar algo diferente do que Jesus disse; guiar as pessoas em toda verdade; e não falar de si mesmo, mas antes do que houver ouvido.

Neste ponto, algumas perguntas interessantes podem estar visitando a inteligência do leitor. Por exemplo, o Bhagavad-gita não descreve com toda a lucidez de detalhes as colônias e planetas superiores, como faz o espiritismo. Isto não faria do espiritismo superior? O Bhagavad-gita possui uma justificativa para não fazer semelhante descrição. Os Vedas o fizeram profusamente, e a crítica de Krishna, no Bhagavad-gita (2.27), é esta: “Os homens de pouco conhecimento estão muitíssimo apegados às palavras floridas dos Vedas, que recomendam várias atividades fruitivas àqueles que desejam elevar-se aos planetas celestiais, com o consequente bom nascimento, poder e assim por diante. Por estarem ávidos por gozo dos sentidos e vida opulenta, eles dizem que isto é tudo o que existe”. E completa, em Bhagavad-gita 8.16, dizendo que mesmo a morada de Brahma, a morada mais elevada que existe, em seis camadas superiores à residência dos espíritos, ou bhutas, é miserável. Assim, ouvir as descrições de tais lugares apenas aumenta o nosso desejo de tentarmos ser felizes longe de Deus: “Aqui está ruim, mas lá, apesar de Deus não residir lá pessoalmente, vai ser bom”. Contudo, na opinião de Krishna, lá também é ruim, até a residência de Brahma, sendo bom apenas onde Ele mora em Seu aspecto pessoal*, morada esta chamada Vaikuntha. Krishna chama as descrições de tais lugares de “linguagem florida” porque aqueles que os descrevem não os descrevem de modo justo, senão que descrevem impressionados em ter um local onde têm mais conforto do que tinham na superfície da Terra ou em outros lugares.

*“Transcendentalistas doutos, os quais conhecem a Verdade Absoluta, chamam essa substância não dual de Brahman [a refulgência de luz que emana do aspecto pessoal de Deus], Paramatma [Deus como a testemunha e o mestre espiritual residente no coração do corpo sutil] ou Bhagavan [Deus em Si, em Seu aspecto pessoal com o qual interage sobretudo com as almas liberadas de todo condicionamento grosseiro e sutil]”. (Srimad-Bhagavatam 1.2.11)

No filme Nosso Lar, por exemplo, encontramos:

“Aos poucos, tudo começava a fazer sentido. Nosso Lar era a vida real, e a Terra apenas uma passagem”. (36:00) Se o espírito progride por várias moradas, por que o Nosso Lar não é tratado apenas como passagem, tal como se chamou de passageira a Terra? Em outra cena, André Luiz diz: “Eu ainda era o mesmo homem, preso aos meus próprios erros, ao meu egoísmo, ao meu passado”. (36:40) Diante disso, não é possível ter os moradores de tal local como autoridades, o que dizer de autoridades livres de todo erro, embora eles se vejam assim, com na cena em 1:04:00, onde uma servidora da colônia Nosso Lar leva para André Luiz o registro de orações feitas a ele, gravadas em uma espécie de pen drive, e diz que ali não há erros:

- Nossa, demorei a achar. Faz tempo não é? Só tem dois arquivos.
- Como assim?
- O registro de duas pessoas.
- Só duas? Você colocou meu nome correto? “André Luiz”.
- Não há erros aqui, senhor.

Como pode não haver erros em um local onde trabalha pessoas presas em seus próprios erros, egoísmo e passado? Se ela teve dificuldade em encontrar – como aponta com os dizeres “Nossa, demorei a achar” – as duas pessoas que oraram a André Luiz, como pode não haver possibilidade de erros ou de não encontrar? Isto é o que define linguagem florida: Descrever um local temporário, com sofrimento e pessoas imperfeitas como sendo “Nosso Lar, a vida real, um local onde não há erros, etc.”; é precisamente o que Krishna diz ser produto de pessoas que estão ávidas por conforto e gozo dos sentidos.

O Bhagavad-gita e as escrituras que o sucedem, no entanto, após condenarem semelhante audição ou leitura, descrevem com minúcias o mundo onde Deus reside com as almas puras e toda a interação que se dá entre os mesmos. Destacamos a obra Krishna, a Suprema Personalidade de Deus, de Srila Prabhupada, a leitura da qual se recomenda após a leitura de O Bhagavad-gita Como Ele É, do mesmo autor.

por Thiago Costa Braga

(Bhagavan Dasa Adhikari Bhakti-sastri)


domingo, 18 de março de 2012

Espiritismo e Consciência de Krishna

Espiritismo e Consciência de Krishna:
Um Estudo Comparativo em Transmigração da Alma,
Posição dos Espíritos (Bhutas), Epistemologia e Objeto de Culto



Espiritismo e Consciência de Krishna - Parte 1



PARTE 1 de 4

Lembro-me como se fosse hoje. Em minhas mãos, aquele livro que comprei sob a propaganda de que desdobraria os temas da palestra que eu havia acabado de ouvir com grande interesse. Na capa da obra, ao fundo, o topo de vários templos no que parecia ser o amanhecer ou o entardecer. Quando cheguei em casa, deitei em minha cama ainda com a roupa do corpo e li novamente na capa o título do livro, o qual me dizia muito, pois era o que eu vivia. Seu título: Em Busca da Verdade. Seu autor: A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada, fundador da Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna.

Devorei cada página como se estivesse com muita fome. Tanto aprendi que mentalmente agradecia a Deus por aquele livro. Fui introduzido a temas como a impossibilidade de ser obediente a Deus sem uma descrição clara de Seus desejos e ordens, a necessidade fundamental de conhecermos em detalhes a personalidade de Deus para podermos amá-lO, a compreensão derradeira da ordenação do universo com base nos três modos da natureza material, a inutilidade de tentar ser honesto sem ter o conhecimento de que Deus é o proprietário de tudo e vários outros temas que, tamanha sua profundidade, sequer sabia de sua existência, menos ainda que haveria alguém capaz de apresentá-los de maneira tão acessível como o autor que agora eu lia.

Nem tudo me foi alegria ao término da leitura, no entanto. Em meu coração, além do contínuo agradecimento a Deus, estava o desejo de divulgar esse livro tanto quanto eu pudesse, a tantos amigos quanto eu tivesse. Porém, uma única página desta obra me desmotivava. Pensei então em comprar vários desse livro e presenteá-lo a amigos sem essa página que me incomodava, porém veriam que uma folha havia sido arrancada. Uma segunda ideia: Fotocopiá-lo tirando essa página e apagando os números das páginas, de modo que ninguém saberia do excerto. Por fim, não tomei nenhuma de minhas medidas cogitadas, pois minha ocupação em distribuir esse conhecimento teria de aguardar um pouco mais meu amadurecimento.

A referida passagem, enfim, era esta: “Como espíritos puros, todas as almas são iguais, inclusive nos animais”*. (p. 34) Ai de mim, como dizem os poetas. Por que a vida não pode ser mais fácil? Por que um autor que julguei conhecer tudo perfeitamente tinha essa “mácula” de tamanho contrassenso de afirmar que a alma que anima os animais e os homens é a mesma, com o agravante que descobri mais tarde, de que é a mesma alma também que pode passar inclusive por corpos vegetais?

*PRABHUPADA, A.C. Bhaktivedanta Svami. Perguntas Perfeitas Respostas Perfeitas. São Paulo: BBT, 2012, p. 34. Perguntas Perfeitas Respostas Perfeitas é o novo título que em português que se deu ao então Em Busca da Verdade, esta edição agora com tradução literal do título original da obra, Perfect Questions Perfect Answers.

Minha dificuldade se dava por minha formação espírita, a qual, embora me tenha conduzido a buscar a reunião que assisti sobre a consciência de Krishna, em virtude de utilizar termos da mesma, como karma e chakra*, tinha diferentes concepções acerca destes conceitos e outros, e, como foi o espiritismo a religião que me convenceu da existência de Deus, livre-arbítrio, transmigração da alma e outros tópicos, era-me difícil lidar com os conflitos entre ela e meu novo achado da consciência de Krishna.

*Karma e chakra não são, a rigor, conceitos doutrinários do espiritismo. Seu uso entre os espíritas é considerado fruto de hibridismo com religiões orientais. Tais termos não se encontram na obra kardeciana, sendo encontrados apenas em obras subsidiárias.

Hoje, passados oito anos desde este meu primeiro contato com a consciência de Krishna, graduei-me em Bhakti-sastri* após residência no Seminário de Filosofia e Teologia Hare Krishna de Campina Grande e traduzi para a ISKCON mais de dez livros, cem artigos e outros materiais, além de ter-me dado a leituras diversas sobre o assunto da consciência de Krishna. Esse acúmulo de conhecimento de minha parte tanto da doutrina espírita quanto da consciência de Krishna faz-me sentir obrigado a produzir este material de estudo comparado, para o benefício tanto dos espíritas quanto dos adeptos da consciência de Krishna. Para os primeiros, uma oportunidade de diálogo inter-religioso não muito explorada. Embora os espíritas promovam sua religião em conflito com religiões que duvidam do contato com os espíritos; a consciência de Krishna é um desafio inteiramente novo, dado que acredita plenamente nesta comunicação, mas a tem como irrelevante para investigações acerca de Deus, da alma e da matéria inerte. Aos adeptos da consciência de Krishna, este tenta esclarecer algumas das zonas de conflito entre as duas religiões para fortalecimento da fé de tais adeptos com argumentos científicos, lógicos e teológicos. As zonas de conflito a serem analisadas são reencarnação em oposição a metempsicose, conhecimento descendente em oposição a conhecimento ascendente, equivalência de espíritos de luz e almas espirituais semipiedosas identificadas com o corpo, e culto a tais indivíduos e adoração exclusiva a Deus.

*Título obtido pelo sucesso em uma prova internacional a que se submetem os membros do Movimento Hare Krishna e outros interessados após estudo básico de sânscrito e estudo profundo das obras O Bhagavad-gita Como Ele É, Isopanisad, Néctar da Devoção (Bhakti-rasamrta-sindhu) e Néctar da Instrução (Upadesamrta).

Transmigração da Alma: Reencarnação e Metempsicose

Ambas as religiões em análise têm como princípio básico que a alma espiritual indestrutível tem a faculdade de transmigrar para um corpo novo ante a destruição do corpo em que se encontrava anteriormente. Em O Livro dos Espíritos*, encontramos: “Chamamos alma ao ser imaterial e individual que em nós reside e sobrevive ao corpo” (Introdução, p. 15), “A alma passa então por muitas existências corporais? ‘Sim, todos contamos muitas existências’” (2.4.166b), e, em seguida, afirma-se que “vivemo-las em diferentes mundos” (2.4.172).

*KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1995

Todos estes três pontos são comuns à consciência de Krishna, como evidenciamos por estes versos introdutórios do Bhagavad-gita*. No atinente à continuidade da alma após a morte do corpo: “Para a alma, em tempo algum existe nascimento ou morte. Ela não passou a existir, não passa a existir e nem passará a existir. Ela é não nascida, eterna, sempre existente e primordial. Ela não morre quando o corpo morre”. (2.20) No atinente às múltiplas existências: “Assim como alguém veste roupas novas, abandonando as antigas, a alma aceita novos corpos materiais, abandonando os velhos e inúteis” (2.22), e também “Assim como, neste corpo, a alma corporificada seguidamente passa da infância à juventude e à velhice; do mesmo modo, chegando a morte, a alma passa para outro corpo. Uma pessoa ponderada não fica confusa com tal mudança”. (2.13) No atinente à existência em diferentes planetas: “Aqueles situados no modo da bondade gradualmente elevam-se aos planetas superiores; aqueles no modo da paixão vivem nos planetas terrestres; e aqueles no abominável modo da ignorância descem para os mundos infernais”. (14.18)

*Todas as citações do Bhagavad-gita aqui contidas são as traduções de O Bhagavad-gita Como Ele É, disponível gratuitamente e em português em vedabase.com/pt-br/bg.

Os pontos de conflito entre o espiritismo e a consciência de Krishna, como analisaremos aqui, estão no fato de que o espiritismo advoga, ou parece advogar, que a alma que ocupa os corpos humanos jamais habitou corpos animais ou então que, uma vez que tenha deixado os corpos animais em sua evolução a partir de sua criação por Deus “simples e ignorantes” (Livro dos Espíritos 2.1.115), jamais poderia retornar a um corpo animal dado que isto contradiz a lei do progresso, lei esta que dá título ao capítulo sexto da obra O Livro dos Espíritos. Tal ensinamento é chamado “reencarnação”, em oposição a “metempsicose”, cuja transmigração de uma mesma categoria de alma – categoria única, distinta apenas de Deus e da matéria inerte – se dá por todos os corpos.

Nesta passagem de O Livro dos Espíritos, nega-se a transmigração de uma mesma espécie de alma por corpos humanos e animais, atribuindo a eles “almas diferentes”:

Pois que os animais possuem uma inteligência que lhes faculta certa liberdade de ação, haverá neles algum princípio independente da matéria?

“Há e que sobrevive ao corpo”.

Será esse princípio uma alma semelhante à do homem?

“É também uma alma, se quiserdes, dependendo isto do sentido que se der a esta palavra. É, porém, inferior à do homem. Há entre a alma dos animais e a do homem distância equivalente à que medeia entre a alma do homem e Deus”. (2.11.597 e 597a)

A alma animal, ainda segundo a mesma obra (2.11.601), evolui por diferentes corpos animais, tal como a alma humana:

Os animais estão sujeitos, como o homem, a uma lei progressiva?

“Sim; e daí vem que nos mundos superiores, onde os homens são mais adiantados, os animais também o são, dispondo de meios mais amplos de comunicação. São sempre, porém, inferiores ao homem e se lhe acham submetidos, tendo neles o homem servidores inteligentes.”

A consciência de Krishna, baseada nos Vedas, declara, no entanto, que existe uma só alma que habita por diferentes corpos, passando por todas as formas inferiores até atingir a forma humana. No Brahma Vaivarta Purana, por exemplo, figura os seguintes versos: “Atinge-se a forma humana de vida após a transmigração por milhões de espécies ao longo do processo gradual de evolução, e essa vida humana é arruinada pelos tolos orgulhosos que não se refugiam nos pés de lótus de Govinda [Deus]”*. O Padma Purana descreve esse número de formas antecedentes à forma humana pelas quais passa a alma: “Em todo o universo, existem 900.000 espécies aquáticas; 2.000.000 de entidades vivas imóveis, como árvores e plantas; 1.100.000 espécies de insetos e répteis, e 1.000.000 de espécies voadoras. No que diz respeito aos animais terrestres, existem em número de 3.000.000, e as espécies humanas existem em número de 400.000”**.

*VedaBase: 25. Song, Prayer and Verse Books / Srila Prabhupada Slokas / Selected Verses From the Puranas / Brahma Vaivarta Purana. info.vedabase.com. O verso original diz: asitim caturas caiva laksams tan jiva-jatisu/ bhramadbhih purusaih prapyam manusyam janma-paryayat/ tad apy abhalatam jatah tesam atmabhimaninam/ varakanam anasritya govinda-carana-dvayam.

**VedaBase: 25. Song, Prayer and Verse Books / Srila Prabhupada Slokas / Selected Verses From the Puranas / Padma Purana. O verso original diz: jalaja nava-laksani sthavara laksa-vimsati/ krmayo rudra-sankhyakah paksinam dasa-laksanam/ trimsal-laksani pasavah catur-laksani manusah.

No Srimad-Bhagavatam* (3.29.28-32), encontramos uma descrição ainda mais detalhada, a qual nos informa que o tato é o primeiro sentido que se experimenta, o qual se desenvolve ao se ter um corpo de árvore. Em seguida, experimenta-se paladar ao se obter um corpo de peixe. Após o corpo de peixe, pode-se obter um corpo como de abelha e desenvolver olfato. A audição então se faz presente rudimentarmente em um corpo de cobra, e, mais adiante, pode-se ter um corpo que tem todos os sentidos e ainda é capaz de distinguir formas, como os corpos de algumas aves e, por fim, de quadrupedes. Finalmente, tem-se o corpo humano. Os seres humanos ainda são divididos entre diferentes níveis de estruturação social e rendição a Deus, partindo dos seres humanos incivilizados e indo até “o devoto puro de Deus, que Lhe presta serviço devocional sem nenhuma expectativa”.

*As citações do Srimad-Bhagavatam são traduções minhas da tradução inglesa de Srila Prabhupada, disponível em vedabase.com/en/sb.

O leitor mais arguto deve ter atentado que, na ocasião em que eu disse que o espiritismo advoga que a alma que ocupa os corpos humanos jamais habitou corpos animais ou então que, uma vez que tenha deixado os corpos animais em sua evolução a partir de sua criação, jamais poderia retornar a um corpo animal, eu intercalei o seguimento “ou parece advogar”. A explicação para isto é que, como veremos em discussões acerca de epistemologia, a revelação dos espíritos não é um sistema fechado e concluído como o da consciência de Krishna, isto porque seus reveladores são investigadores no modelo de investigação científico-filosófico, isto é, baseado respectivamente na percepção dos sentidos e da mente, motivo pelo qual certamente terão conflitos entre si como têm os cientistas e filósofos encarnados. Assim é que um mesmo espírito pode ter diferentes opiniões em diferentes momentos ou variados espíritos terem diferentes opiniões contemporâneas, e encontramos no Livro dos Espíritos (p. 303) que isso de fato se dá com a dicotomia reencarnação e metempsicose e acerca da relação entre os homens e os animais:

O ponto inicial do espírito é uma dessas questões que se prendem à origem das coisas e de que Deus guarda o segredo. Dado não é ao homem conhecê-las de modo absoluto, nada mais lhe sendo possível a tal respeito do que fazer suposições, criar sistemas mais ou menos prováveis. Os próprios espíritos longe estão de tudo saberem e, acerca do que não sabem, também podem ter opiniões pessoais mais ou menos sensatas. É assim, por exemplo, que nem todos pensam da mesma forma quanto às relações existentes entre o homem e os animais. Segundo uns, o espírito não chega ao período humano senão depois de se haver elaborado e individualizado nos diversos graus dos seres inferiores da Criação*. Segundo outros, o espírito do homem teria pertencido sempre à raça humana, sem passar pela fieira animal. O primeiro desses sistemas apresenta a vantagem de assinar um alvo ao futuro dos animais, que formariam então os primeiros elos da cadeia dos seres pensantes. O segundo é mais conforme à dignidade do homem. (grifo nosso)

*Emmanuel, por exemplo, em várias psicografias de Chico Xavier, defende esta primeira teoria contra a opinião daqueles que compuseram O Livro dos Espíritos: “O animal caminha para a condição do homem tanto quanto o homem evolui no encalço do anjo”. (Alvorada do Reino, Na Senda da Ascensão) Em sua obra Emmanuel: Dissertações Mediúnicas sobre Importantes Questões que Preocupam a Humanidade, encontramos:

“Como o objetivo desta palestra é o estudo dos animais, nossos irmãos inferiores, sinto-me à vontade para declarar que todos nós já nos debatemos no seu acanhado círculo evolutivo. São eles os nossos parentes próximos, apesar da teimosia de quantos persistem em o não reconhecer. Considera-se, às vezes, como afronta ao gênero humano a aceitação dessas verdades. E pergunta-se como poderíamos admitir um princípio espiritual nas arremetidas furiosas das feras indomesticadas, ou como poderíamos crer na existência de um rio de luz divina na serpente venenosa ou na astúcia traiçoeira dos carnívoros. Semelhantes inquirições, contudo, são filhas de entendimento pouco atilado”. (XAVIER, Chico. FEB. p. 119)

Interessante notar que o espiritismo diz que sua validade está em não haver contradição entre os espíritos: “Uma só garantia séria existe para o ensino dos espíritos: a concordância que haja entre as revelações que eles façam espontaneamente, servindo-se de grande número de médiuns estranhos uns aos outros e em vários lugares”. (O Evangelho Segundo o Espiritismo, p. 31)

Assim, não há uma base sólida acerca do posicionamento dos espíritos em relação a se a alma anima primeiramente corpos animais ou começa já em corpos humanos, logo não há um posicionamento absoluto acerca de se a alma animal progride unicamente por corpos animais ou se é a mesma sorte de alma que anima agora corpos humanos. Contudo, como a obra O Livro dos Espíritos mostra predileção pela teoria de que existem dois tipos de almas, humanas e animais, ou mais precisamente, três, uma também apenas a animar vegetais*, tomaremos isso como o fundamento espírita e o iremos expor aos ensinos conscientes de Krishna.

A primeira dificuldade para sustentar a teoria espírita de que os animais sempre serão animais e sempre foram animais é que ela é contraditória com o senso de justiça vinculado a que alguém sofre por mau uso de seu livre-arbítrio e que alguém tem conforto por bom uso de seu livre-arbítrio, o que é aceito por ambas as religiões em estudo. No entanto, como os animais não têm livre-arbítrio (Livro dos Espíritos 2.11.599), o que ambas as religiões concordam, Deus Se torna injusto na teoria espírita, pois todo o sofrimento excruciante pelo qual passam, por exemplo, as vacas, porcos, galinhas e outros animais em fazendas-fábricas e abatedouros* é um sofrimento desmerecido, não decorrente de nenhuma escolha ruim, tampouco há justiça ou justificativa em uma vaca viver livremente e outra não. Deste modo, Deus torna-Se alguém horrendo que criou almas animais apenas para animarem corpos animais inferiores e irem progredindo por corpos animais superiores sempre sofrendo as dores do nascimento, da morte, da velhice e da doença mesmo não tendo feito nenhuma má escolha ou ato contrário à vontade de Deus. Tais almas animais são submetidas a um processo automático (idem. 2.11.602) de evolução por diferentes corpos – reitero, dolorosíssimo – e evoluem sem nenhum mérito para chegarem ao estágio máximo delas, estágio máximo este no qual não conhecem Deus (idem. 2.11.603)**.

*Aqueles que não estão inteirados deste “avanço” da civilização podem se inteirar do mesmo assistindo ao documentário Terráqueos [Earthlings] ou similares. O referido documentário está disponível neste weblink: terraqueos.org. Outros documentários similares se encontram na mesma página.

**Desenvolvi, a princípio, estar argumentação sob o norteamento de Santo Anselmo, que diz que o conceito perfeito de Deus é, entre outras coisas, de um ser absolutamente justo e infinitamente bom, e que o conceito em que se tenha uma justiça e uma bondade insuperáveis é o conceito verdadeiro. Semelhante argumentação que apresento, no entanto, parece também estar inteiramente em A Gênese (3.12), onde se diz: “Se os animais são dotados apenas de instinto, não tem solução o destino deles e nenhuma compensação os seus sofrimentos, o que não estaria de acordo nem com a justiça, nem com a bondade de Deus”.

A única maneira de se conciliar existir sofrimento no mundo e Deus ser onipotente e bom é a exigência do amor ser precedido por livre-arbítrio, haja vista que um amor forçado não é amor, dado que amar exige a espontaneidade de ter o direito de não amar. Agora, se os animais jamais conhecerão Deus para amá-lO e não têm livre-arbítrio, por que os criar e os submeter a uma evolução dolorosa e sem sentido até o estágio de perfeição em que não conhecem seu criador? Certamente é absurdo atribuir a Deus tamanho capricho, em virtude do que o Livro dos Espíritos só pode dizer sobre isso as palavras com que encerra o capítulo nono da parte segunda: “Quanto às relações misteriosas que existem entre o homem e os animais, isso, repetimos, está nos segredos de Deus”.

O conhecimento da consciência de Krishna, no entanto, mantém Deus como justo ao colocar que os animais sofrem porque as almas que habitam tais animais que estão sofrendo com nascimento, morte, doenças e velhice fizeram mau uso de seu livre arbítrio, isto é, não procederam de acordo com a vontade de Deus, quando possuíam corpos humanos ou no ato de se desconectarem de Deus. Assim é que um açougueiro ou aqueles que comem carne terão de nascer, pelas reações de seus pecados, em corpos de animais que serão brutalmente criados e abatidos. Os corpos animais para as almas também têm um propósito muito amável, que é que uma alma em condição pecaminosa pode dar vazão a suas tendências pecaminosas sem criar novo mau karma. Deste modo, alguém afeito a dormir excessivamente pode ter um corpo de urso; alguém afeito a comer carne, um corpo de tigre; alguém afeito à promiscuidade, um corpo de macaco e assim por diante. Caso se fizesse tais atos no corpo humano, incorreria em grandes reações pecaminosas. Porém, com a oportunidade de fazer tais coisas em corpos animais, o indivíduo dá vazão a seus pecados e pode, quando Deus considerar apropriado, habitar novamente um corpo humano já esgotado desse hábito. Assim é que o Garuda Purana (2.46.9-10) afirma sobre as almas pecaminosas que estão deixando os planetas infernais: “Quando as torturas expiatórias e restringentes cessam, as entidades vivas nascem novamente na forma humana ou em uma forma animal com os traços característicos de seus pecados”. Por traços característicos dos pecados, entende-se uma pessoa incestuosa nascer cão ou alguém que não discrimina o que comer e o que não comer nascer como porco.

Com a metempsicose, a justiça de Deus é preservada, pois o sofrimento da alma no corpo animal tem um porquê imediato, isto é, suas ações passadas, e tem um propósito futuro: uma vez que atinja a perfeição em um dos 400.000 tipos de corpos humanos que propiciam o livre-arbítrio de poder render-se a Deus, conhecerá Deus e se relacionará com Ele em serviço devocional e bem-aventurança eterna.

Embora o espiritismo diga, como citado anteriormente, que talvez as almas que hoje habitam os corpos humanos tenham sim habitado corpos animais, o espiritismo em momento algum assume que a alma possa involuir, o que eles acreditam acontecer na metempsicose. Isto é um erro, no entanto; ao menos na metempsicose mais antiga que se conhece – a metempsicose consciente de Krishna. No Bhagavad-gita (2.40), Krishna diz: “Neste caminho [o caminho da gradual rendição a Deus] não há perda nem diminuição, e um pequeno esforço neste caminho pode proteger a pessoa do mais perigoso tipo de medo”. Em outras palavras, como explica Prabhupada em seu comentário, qualquer avanço que uma alma tenha feito em se render a Deus está eternamente no crédito dela, e ela sempre continuará daquele ponto, e Krishna diz que, desde que ela continue fazendo o mínimo progresso (pequeno esforço) ela estará livre do mais perigoso tipo de medo (cair em uma forma sub-humana). Aqui pode parecer haver uma contradição: Não há perda nem diminuição, ou involução, mas, se ela parar de progredir, cairá em corpos animais. Isso não é uma contradição assim como os espíritas aceitam que alguém que foi doutor em Letras pode, caso aja pecaminosamente, nascer como alguém cego, surdo, mudo e paralítico. Tal aparente involução, isto é, alguém antes pesquisador acadêmico sequer ter sentidos e consciência o bastante para interagir ou se movimentar, é um estado temporário de “inferioridade” à vida passada, o qual, quando superado e terminado, terá sido um grande aprendizado para o doutor, que poderá então continuar seu progresso novamente em um corpo com inteligência, mas temeroso de pecar e reconsiderando se o mero conhecimento acadêmico realmente constitui progresso.

Assim é que, quando alguém cai em um corpo animal após ter tido um corpo humano, ao deixar o corpo animal – ou os vários corpos animais, a depender de seus atos –, retoma sua vida com livre-arbítrio do ponto de rendição a Deus em que estava, e sua experiência em determinado corpo animal serve-lhe de lição ou de esgotamento de alguma tendência animalesca que tinha mesmo no corpo humano.

A história do rei Bharata, por exemplo, relatada no Quinto Canto do Srimad-Bhagavatam – para o qual já fornecemos um weblink – relata a história de um rei que renunciou seu reino quando mais velho e se recolheu para a floresta para se dedicar a práticas espirituais. Contudo, porque negligenciou sua vida espiritual tendo-se atraído por um veadinho na floresta, adquiriu um corpo de veado na vida seguinte. No corpo de veado, intuitivamente rumou para a casa de grandes devotos de Deus e lá ficou até morrer. Uma vez de volta ao corpo humano, na vida seguinte, ele retomou sua vida espiritual com muito mais seriedade e cuidado. Assim, é evidente que, embora tenha adquirido um corpo sub-humano após ter tido um corpo humano, não houve involução da consciência, mas uma experiência chocante tal qual alguém que alguma vez enxergou porém teve um nascimento cego. Assim, negar a metempsicose porque a mesma pressupõe a involução da consciência é ignorância de todos os sistemas de metempsicose*, visto que a metempsicose dos Vedas, escrituras estas que formam a base do movimento Hare Krishna, conciliam perfeitamente a transmigração por diferentes corpos sem aceitar a involução da consciência. Tal aparente “involução” pode ser comparada a alguém que estava caminhando para frente e, ao se deparar com um buraco à sua frente, recua um pouco para saltá-lo. Tal recuo não é um retrocesso em seu caminhar para frente, mas parte de seu progresso.

*Parece que o espírito que se posiciona contra a metempsicose se informou insuficientemente, apenas em fontes semelhantes àquelas consultadas por Jung, que também possuía conhecimento incompleto da metempsicose: “O conceito de renascimento é multifacetado. Em primeiro lugar destaco a metempsicose, a transmigração da alma. Trata-se da ideia de uma vida que se estende no tempo, passando por vários corpos, ou da sequência de uma vida interrompida por diversas reencarnações. O budismo especialmente centrado nessa doutrina – o próprio Buda vivenciou uma longa série de renascimentos – não tem certeza se a continuidade da personalidade é assegurada ou não; em outras palavras, pode tratar-se apenas de uma continuidade do karma. Os discípulos perguntaram ao mestre, quando ele ainda era vivo, acerca desta questão, mas Buda nunca deu uma resposta definitiva sobre a existência ou não da continuidade da personalidade”. (JUNG, Carl Gustav. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 119). Quando tal afirmação de Jung, que não conseguiu estender-se para a psicose mais antiga que se conhece, a metempsicose védica ou pré-budista, foi apresentada a Srila Prabhupada, este comentou:

“Srila Prabhupada: Uma personalidade está sempre presente, e mudanças corpóreas não mudam isso. A pessoa, entretanto, identifica-se de acordo com o seu corpo. Quando, por exemplo, a alma está dentro do corpo de um cachorro, ela pensa de acordo com aquela construção corpórea particular. Ela pensa: “Sou um cachorro, e tenho minhas atividades particulares”. Na sociedade humana, a mesma concepção está presente. Por exemplo, quando alguém nasce na América, ele pensa: “Sou americano, e tenho meu dever”. De acordo com o corpo, a personalidade se manifesta, mas, em todos os casos, a personalidade está presente. Discípulo: Mas essa personalidade é contínua? Srila Prabhupada: Certamente a personalidade é contínua. À morte, a alma passa para outro corpo grosseiro juntamente com suas identificações mentais e intelectuais. O sujeito obtém diferentes tipos de corpos, mas a pessoa é a mesma”. (Beyond Illusion and Doubt. Cap. 15. vedabase.com/en/bid/15)

Então, porque o espiritismo não possui uma resposta clara sobre se a alma que atualmente ocupa corpos humanos já ocupou corpos animais, e porque seu argumento de que a metempsicose não pode ser real porque implica a involução da consciência é produto de ignorância da metempsicose consciente de Krishna, temos aqui, acredito, bastante espaço para reflexão.

Algo muito interessante é que Krishna deixou-nos já uma fórmula no Bhagavad-gita, cinco mil anos atrás, que nos informa que a opinião de quem reside onde residem aqueles que conversaram com Allan Kardec é, em geral, de que existem diferentes tipos de almas. Tal fórmula é dada no Bhagavad-gita (18.20-22):

Você deve compreender que está no modo da bondade aquele conhecimento com o qual se percebe uma só natureza espiritual indivisa em todas as entidades vivas, embora elas se apresentem sob inúmeras formas. O conhecimento com o qual se vê que em cada corpo diferente há um tipo diferente de entidade viva, você deve entender que está no modo da paixão. E o conhecimento pelo qual alguém se apega a um tipo específico de trabalho como se fosse tudo o que existe, sem conhecimento da verdade, e que é muito escasso, diz-se que está no modo da ignorância.

O universo, segundo os Vedas, é regido por três cordas, ou modos da natureza material, os quais se chamam bondade, paixão e ignorância. Assim, classifica-se tudo nos três modos, como alimentação, caridade etc. Pode-se ler sobre os mesmos nos capítulos 14, 17 e 18 do Bhagavad-gita. Aqui Krishna está dizendo que, quando alguém está no modo da ignorância, esse alguém quer apenas trabalhar, sendo indiferente a discussões se a alma existe ou não existe, se ela é a mesma tramitando por diferentes corpos ou se cada tipo de corpo comporta um tipo de alma. Em seguida, superiores são as pessoas controladas pelo modo da paixão, as quais já aceitam a existência da alma, embora, por seus sentidos imperfeitos e por seu desejo de explorar os outros, digam que a alma da mulher, do índio, do negro ou dos animais é inferior. Por fim, existem aqueles no modo da bondade, o melhor de todos, os quais percebem que é a mesma alma que aparece em diferentes corpos, assim como a mesma luz branca às vezes parece azul, vermelha ou amarela a depender da cor do invólucro que recebe.

Assim, as escrituras conscientes de Krishna dizem que onde residem aqueles que conversaram com Allan Kardec é uma morada no modo da paixão (Srimad-Bhagavatam 4.29.28, significado), a qual se chama, em sânscrito, Antariksa, daí a opinião deles. A tese espírita ser prevista milênios antes do surgimento do espiritismo e ainda propor uma tese superior é certamente algo que deve promover buscadores sinceros a considerarem se não há livros na Terra mais avançados do que os cinco livros codificados por Kardec e similares. A leitura do Bhagavad-gita Como Ele É, na companhia daqueles que já o estudam há mais tempo, é um começo recomendável. Acerca da localização das colônias espíritas e sua identificação com o modo da paixão, falaremos mais adiante, na seção denominada “Uma análise da posição dos espíritos segundo a consciência de Krishna”.

Ainda nos argumentos na dicotomia reencarnação e metempsicose, além dos argumentos da questão do sofrimento a quem nunca teve livre-arbítrio para fazer algo que merecesse sofrimento e de que Krishna previu esse argumento para aqueles que habitam Antariksa, há o argumento moral, possivelmente o mais forte, de que perceber outras entidades vivas como ontologicamente inferiores é a inconsciência fundamental para se explorar o outro. Só me é possível explorar o negro, a mulher, o judeu ou o índio, por exemplo, depois que eu me convencer de que são menos importantes para Deus ou inferiores a mim, pois, se são iguais a mim, dou o direito de que façam comigo o mesmo que faço com eles, e se são tão importantes para Deus quanto eu sou, Deus me punirá de alguma forma. Assim, vê-se rotineiramente que, conquanto os espíritas se apiedem de seres humanos em sofrimento, são promotores do sofrimento dos animais em seus hábitos alimentares, de vestes etc., hábitos estes tendo em vista o gozo dos sentidos. No Movimento Hare Krishna, todo membro faz o voto vitalício de não comer carne, peixe ou ovos, e as verduras e outros alimentos também são ingeridos apenas após serem consagrados a Deus. Assim, é visível a superioridade moral e caridosa naqueles possuidores da visão de que a alma que anima os animais e plantas não é por natureza inferior ou sem o propósito de um dia alcançar Deus, mas uma alma tal como nós que agora estamos em corpos humanos*.

*Esta questão de que o fundamento para não explorarmos os animais ou humanos de diferentes categorias se encontra na necessidade de os vermos como indivíduos na mesma categoria que nós, uma categoria única abaixo de Deus, fica evidente caso contrastemos, por exemplo, espíritos que acreditam que os animais possuem almas constitucionalmente inferiores e aqueles que pensam diferente. Vemos, por exemplo, que os reveladores do Livro dos Espíritos, partidários da ideia de que a alma em um corpo animal é distinta, e eternamente distinta, da alma em um corpo humano, não promovem o vegetarianismo e o consequente bem-estar dos animais: “Dada a vossa constituição física, a carne alimenta a carne, do contrário o homem perece. A lei de conservação lhe prescreve, como um dever, que mantenha suas forças e sua saúde, para cumprir a lei do trabalho. Ele, pois, tem que se alimentar conforme o reclame a sua organização” (O Livro dos Espíritos 3.5.723). O já mencionado espírito Emmanuel, partidário da ideia de que as almas que ocupam corpos animais e humanos são as mesmas, defende o vegetarianismo: “A ingestão das vísceras dos animais é um erro de enormes consequências, do qual derivaram numerosos vícios da nutrição humana. É de lastimar semelhante situação, mesmo porque, se o estado de materialidade da criatura exige a cooperação de determinadas vitaminas, esses valores nutritivos podem ser encontrados nos produtos de origem vegetal, sem nenhuma necessidade dos matadouros e frigoríficos... Consolemo-nos com a visão do porvir, sendo justo trabalharmos, dedicadamente, pelo advento dos tempos novos em que os homens terrestres poderão dispensar da alimentação os despojos sangrentos de seus irmãos inferiores”. (O Consolador, questão 129) Assim fica aparente que, por trás do empenho em categorizar o outro como ontologicamente inferior, está o desejo e o ato degradado de explorá-lo.

Deste modo, apresentado o sistema de metempsicose do Movimento Hare Krishna, que remonta mais de 50 séculos na história registrada, sistema este que não nega a evolução permanente da consciência e que a evolução da alma pelos animais é progressiva, a metempsicose passa a ser verdadeira segundo estes dizeres da página 303 do Livro dos Espíritos: “Seria verdadeira a metempsicose se indicasse a progressão da alma, passando de um estado a outro superior, onde adquirisse desenvolvimentos que lhe transformassem a natureza”.

por Thiago Costa Braga
(Bhagavan Dasa Adhikari Bhakti-sastri)

Faculdade de Acupuntura. Eu Quero!


Em 2010 a UNESCO qualificou a Acupuntura como
Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade!

Link

Pendure um pano branco em sua janela desde o dia 16 de março até o dia 23 de março que é o Dia do Acupunturista, para mostrar que apoia a criação do curso superior de Acupuntura e ajude a preservar este patrimônio da humanidade. Assine: http://www.peticaopublica.com.br/?pi=ACU2012

INFORMAÇÕES: SATOPAR – Sindicato dos profissionais de acupuntura e terapias orientais do Estado do Paraná. Fone (41) 3274-4647

Comemoração - Dia do acupunturista
Data: 23 de março
Local: Praça Rui Barbosa
Horário: 9:00 – 18:00h

Com atendimento gratuito de: Auriculoterapia, Moxabustão, Ventosaterapia, Quick Massage
Palestras gratuitas de: Acupuntura, auriculoterapia, Moxabustão, ventosaterapia, Tai Chi chuan. Lian gong.
Apresentações de: Tai Chi chuan, Lian Gong e Qi gong.
Realização: Satopar – Sindicato dos profissionais de acupuntura e terapias orientais do Estado do Paraná

Porque da Faculdade de Acupuntura:
- Na década de 1970, a acupuntura era considerada charlatanismo pela Medicina e perseguiu vários acupunturistas que vieram de outros países, bem como seus alunos.
- Na década de 1980, a Fisioterapia reconheceu a acupuntura como especialidade. Seguiram-se vários outros Conselhos da área da saúde, reconhecendo a acupuntura como especialidade, tais como Educação física, Farmácia, Veterinária, Biomedicina, Odontologia, Enfermagem, Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, Psicologia e a própria Medicina.
- Na década de 2000, os cursos técnicos de acupuntura foram fechados por pressão do Conselho de medicina e outros.
- A partir de então, a acupuntura passou a ser uma especialidade de cada profissão.

Qual o problema?
Uma especialidade é uma técnica adicionada à formação acadêmica e deve ser utilizada apenas em sua área de atuação. Sendo assim, um Fisioterapeuta acupunturista só deveria utilizar a acupuntura para tratar de problemas músculos-esqueléticos, respiratórios e digestivos quando o problema for motor. Um dentista acupunturista só deveria utilizar a acupuntura para tratar de problemas orofaciais relacionados com os dentes. Um psicólogo acupunturista só deveria utilizar a acupuntura para tratar de problemas psicológicos. Porém, a acupuntura é holística, trata corpo, mente e espírito e um acupunturista deve ser hábil em tratar todas as síndromes estudadas na acupuntura. Atualmente, os especialistas atuam em todas as áreas, caracterizando exercício ilegal em várias áreas da saúde. Os Conselhos sabem, mas fazem vista grossa porque não lhes interessam proibir seus filiados a atuarem com acupuntura de modo amplo. Deste modo, um fisioterapeuta acupunturista trata de problemas psicológicos, metabólicos, neurológicos. Um Educador físico acupunturista trata dos mesmos problemas que um psicólogo acupunturista. Pela lei, trata-se de exercício ilegal, pois invadem as áreas de outras profissões. A Acupuntura não trata doenças da forma como a medicina ocidental trata. As doenças são síndromes com características próprias e por isto, a forma como a acupuntura é ensinada no Brasil, torna-se seccionada, fragmentada.
Em 2010 a UNESCO qualificou a Acupuntura como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade e como um todo deve ser resguardado pela especialização.
As especializações prestaram um excelente serviço, pois no momento em que a medicina qualificava a Acupuntura como um engodo, as especializações vieram para assegurar seu ensino no Brasil. Atualmente, a acupuntura está totalmente difundida e está mais que na hora de a Acupuntura ter seu próprio espaço, sendo uma profissão e não uma especialização.
Os atuais especialistas continuarão a ter seus direitos preservados, bem como os que já atuam com acupuntura, independentemente de sua formação. A partir do momento em que o curso de Acupuntura passar a existir formalmente, ou seja, legalmente, somente os formados nesse curso passarão a ser considerados acupunturistas.

Qual a perspectiva para o futuro a partir da instalação do curso de graduação em Acupuntura?
O Sistema Único de Saúde (SUS) poderá contratar acupunturistas que trabalharão em todas as áreas, baixando o custo com saúde no Brasil, uma vez que é um tratamento por meio da acupuntura é extremamente barato.

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segunda-feira, 5 de março de 2012

O Senhor Caitanya e o Renascimento da Devoção Lord Chaitanya and the Renaissance of Devotion



Primeiro de dois artigos enviados em comemoração de Gaura Purnima, dia 8 de março, lua cheia que marca o aparecimento do Senhor Sri Caitanya Mahaprabhu 525 anos atrás

Do site Krsna.com

O Senhor Caitanya e o Renascimento da Devoção



Lord Chaitanya and the Renaissance of Devotion

por Ravindra Svarupa Dasa


Enquanto a Europa, como que enfastiada de seu conceito medieval de Deus, voltou seu interesse para o homem e o mundano; uma revolução espiritual na Índia, destinada a se expandir para todo o mundo, revelava a natureza dinâmica da Verdade Absoluta.
A Europa, no século XV, passava por aquela grandiosa transformação sócio-cultural que o historiador Jules Michelet, olhando para trás em reverência, chamou de Renascimento. Esse longo período medieval, com sua visão tão deslumbrada por esplendidas imagens do eterno que não podia sequer olhar de relance este mundo passageiro, com sua mente tão obcecada por coisas vindouras – morte, julgamento, céu e inferno – que encarava esta vida apenas como uma trilha árdua e preparatória, com seu corpo social construído a partir de rígidas hierarquias e mantido por uma laboriosa economia – tudo isso terminou.
Como um homem acordando do sono, a Europa recobrou seus sentidos e olhou a sua volta como se, pela primeira vez, toda a vastidão do tão fascinante mundo que lhe cercava, rico em misteriosas promessas, convidasse-a a conhecer suas possibilidades ilimitadas.
Pico della Mirandola compôs a Oração Sobre a Dignidade do Homem. Ainda representando temas piedosos, Michelangelo gravou em rocha a graça e força de um Davi de músculos delicados e de proporções perfeitas e compôs um hino em glorificação ao corpo masculino; enquanto que, em toda a parte, pintores adornavam paredes com requintadas Virgens Marias de braços flexíveis e compleições lustrosas. Intrépidos navegantes direcionavam suas proas em direção a mares desconhecidos e encontravam novos mundos para explorar. Na mesma fascinação implacável, Leonardo da Vinci apresentou em seus detalhados estudos a complexidade da anatomia humana e a mecânica dos pássaros em vôo. Baseada em um novo tipo de riqueza feita pelo homem, uma nova aristocracia ganha vida e cria um gigantesco império de troca, transações bancárias e manufatura. Tirando Deus e colocando o homem e a matéria no centro, acontece o nascimento do mundo moderno.
No século XV, a Índia também passava por um renascimento – um tanto quanto diferente. Um renascimento, de fato, quase que oposto ao europeu; acadêmicos o chamaram de “o renascimento de bhakti”, um grande renascimento da devoção por Deus. A proeminente figura deste poderoso aparecimento religioso foi Sri Caitanya Mahaprabhu.
Quando pesquisadores modernos explicam mudanças históricas, eles, é claro, consideram apenas causas mundanas – sociais, políticas, econômicas, e outros fatores similares. Todavia, eu gostaria de explorar outro tipo de causa: a divina. O Bhagavad-gita explica brevemente como e porque Deus de tempos e tempos intervém na história humana: “Sempre e onde quer que haja um declínio da prática religiosa”, Krsna declara, “e uma ascensão predominante de irreligião – aí, então, Eu próprio descendo. Para libertar os piedosos e aniquilar os malfeitores, bem como para restabelecer os princípios da religião, Eu mesmo venho, milênio após milênio”. (Bg. 4.7-8)
Como um texto introdutório, o Bhagavad-gita apresenta de forma sucinta os princípios gerais. Textos mais avançados, como o Srimad-Bhagavatam, fornecem informações mais avançadas. Baseando-se em tais trabalhos, Srila Prabhupada comenta sobre a afirmação do Bhagavad-gita: “Não é um fato que o Senhor aparece apenas em solo indiano. Ele pode Se manifestar em todo e qualquer lugar, e a qualquer hora que Ele queira. Em cada encarnação, Ele fala sobre religião tanto quanto possa ser entendido pelo povo específico a quem Sua mensagem se destina – de acordo com as circunstâncias deles. Mas a missão é a mesma – induzir as pessoas a seguirem os princípios religiosos e a buscarem a consciência de Deus. Algumas vezes Ele descende pessoalmente e, outras vezes, Ele manda Seu representante autorizado na forma de Seu filho, servo, ou Ele mesmo em alguma forma disfarçada”.
Por que Deus teria que aparecer várias e várias vezes? Afinal, se Deus é perfeito, Ele não teria de ser capaz de estabelecer a religião perfeitamente? Uma vez não deveria ser o bastante? Esta é, todavia, a natureza do mundo material: tudo perece com o tempo e, embora Deus seja infalível, os seres humanos, que recebem e transmitem as instruções de Deus, são falíveis. Consequentemente, as tradições religiosas que Deus estabelece se tornam comprometidas e, com o tempo, são desintegradas. Quando a religião decai dessa maneira, e a irreligião consequentemente cresce, Deus descende para retificar o equilíbrio e restaurar os princípios da retidão. A intervenção periódica de Deus é crucial. Krsna observa no Bhagavad-gita que se Ele não agisse dessa maneira, “todos os mundos seriam levados à ruína” (Bg. 3.24).
O Renascimento na Europa serve como um claro exemplo do declínio da religião. Mil e quinhentos anos antes, Jesus Cristo, o filho de Deus, apareceu em uma periferia do Império Romana e ensinou, tanto quanto possível, os princípios religiosos. Seus seguidores, adotando e transformando a herança filosófica dos Gregos e o legado prático e material dos Romanos, criaram na Europa, por fim, uma civilização centrada em Deus. Mas o Renascimento, como um grande movimento de secularização, sinalizou a destruição daquela civilização. A ostentação sacerdotal e a corrupção viciaram o poder espiritual da Igreja (como qualquer pessoa familiar com a história dos papas renascentistas pode confirmar). Embora Martinho Lutero e outros reformadores tenham tentado restabelecer a pureza do cristianismo, eles desintencionalmente proveram os meios para os governantes europeus se libertarem do controle religioso. Assim, a Reforma contribuiu para o fim da civilização medieval centrada em Deus.
Se a Europa, durante os séculos XV e XVI ilustram o declínio da religião apresentado no Bhagavad-gita, a Índia, no mesmo período, ilustra o restabelecimento divino. O agente transcendental neste caso foi Sri Caitanya, que apareceu em 1486 onde hoje é a Bengala Ocidental, apenas quatro anos antes do nascimento de Lutero na Alemanha.
Um homem deve ser aceito como uma encarnação de Deus apenas se Ele for referido nas escrituras. Muitas escrituras predizem o advento do Senhor Caitanya. O Srimad-Bhagavatam (11.5.32) diz: “Na era de Kali, pessoas inteligentes executarão o canto congregacional em adoração à encarnação do Supremo que constantemente canta o nome de Krsna. Embora Sua compleição não seja enegrecida, Ele é o próprio Krsna. Ele é acompanhado por Seus associados, Seus servos, Suas armas, e Suas companheiras confidenciais”.
Esse verso identifica o Senhor Caitanya como um tipo especial de encarnação chamada “yuga-avatara”. A literatura Védica descreve a história como cíclica, progredindo através de repetidos ciclos de quatro eras, chamados yugas. A primeira era do ciclo, satya-yuga, é uma era de ouro de imenso bem estar material e espiritual; cada era subseqüente é mais degradada do que a anterior. Estamos agora no ano 5000 da era de Kali, a última e mais desonrosa era. “Nesta era de ferro de Kali”, o Bhagavatam diz, “os homens têm vida curta. Eles são briguentos, preguiçosos, desencaminhados, desafortunados e, acima de tudo, sempre perturbados”. (Bhag. 1.1.10)
A prática religiosa tem que ser tecida sob medida para as características particulares de cada yuga. As práticas meditativas adequadas para Satya-yuga, por exemplo, serão inefetivas na Kali-yuga. As pessoas não têm mais o tempo, a determinação e a paz mental necessários para se meditar apropriadamente. O Senhor, portanto, descende em cada yuga – como o yuga-avatara – para estabelecer a forma apropriada de religião. De acordo com o Srimad-Bhagavatam, o Senhor Caitanya é o yuga-avatara desta era de Kali.
O Bhagavatam também aponta a prática religiosa específica que o Senhor Caitanya iria propagar: sankirtana, o canto congregacional do nome de Deus. Sankirtana é especialmente adequado para Kali-yuga porque ele é tanto fácil de se executar quanto extremamente poderoso. Nesta era, estamos em uma condição tão mórbida que apenas o mais poderoso dos remédios pode nos curar. E nós recusaríamos o medicamento se ele não fosse doce e fácil de se tomar. Portanto, o Senhor Caitanya disseminou o santo nome. Não importa o quão briguentos, preguiçosos, desencaminhados, desafortunados e perturbados possamos ser; podemos facilmente cantar Hare Krsna com perceptíveis resultados espirituais. Nós imediatamente sentimos um breve gosto da bem-aventurança transcendental, e sentimos nossa luxúria, cobiça e ira diminuírem. A imensurável potência do nome divino irá livrar mesmo a mais poluída das mentes da putrefação da existência material.
O Senhor Caitanya possuía tamanho poder espiritual, que ondas de devoção nasceram dEle e inundaram toda a Índia com amor por Deus. Sua vida e ensinamentos foram peritamente recontados por Krsnadasa Kaviraja Gosvami no Sri-Caitanya-caritamrta, universalmente reconhecido como um clássico da literatura Bengali. Podemos ter uma idéia da potência do Senhor Caitanya a partir desta descrição do impacto causado pelo Senhor a algumas pessoas durante Sua turnê pelo Sul da Índia:
A qualquer momento que o Senhor Caitanya Se encontrasse com alguém, Krsnadasa Kaviraja descreve, Ele lhes pediria para cantarem Hare Krsna. “Quem quer que ouvisse o Senhor Caitanya Mahaprabhu cantar ‘Hari, Hari’, também cantava o santo nome do Senhor Hari. Desta forma, todos eles seguiam o Senhor, muito ávidos por vê-lO. Depois de algum tempo, o Senhor abraçaria afetuosamente tais pessoa e solicitaria que voltassem para casa, após investi-los com potência espiritual. Estando devidamente dotados de poder, eles voltariam para suas vilas, sempre cantando o santo nome de Krsna e ora rindo, ora chorando e ora dançando. Tais pessoas dotadas de poder costumavam pedir a toda e qualquer pessoa – qualquer um que vissem – que cantasse o santo nome de Krsna. Dessa maneira, todas os habitantes daquelas vilas também se tornariam devotos da Suprema Personalidade de Deus. E simplesmente por receberem o olhar misericordioso de tais devotos, tais pessoas também se tornavam devotos poderosos. Quando esses indivíduos retornavam para suas vilas, eles convertiam seus co-cidadãos em novos devotos. Dessa forma, a medida que os devotos iam de uma vila a outra, todas as pessoas do sul da Índia se tornaram devotos. Assim, muitas centenas de pessoas se tornaram Vaisnavas [devotos de Krsna] ao se encontrarem com o Senhor Caitanya e serem abraçadas por Ele” (Cc. Madhya 7.98-105).
Uma característica marcante do aparecimento de Krsna como o Senhor Caitanya é que, embora o Senhor Caitanya seja o próprio Krsna, Ele não aparece como Deus, mas como um devoto de Deus. Há duas razões para Deus assumir o papel de Seu próprio devoto, uma delas externa e pública, e outra interna e privada.
A razão pública pela qual Deus se torna um devoto é ensinar o cantar dos nomes de Deus da forma mais atrativa e poderosa. Fazendo o papel de Seu próprio devoto – o maior devoto de todos – Krsna foi capaz de demonstrar através de Seu próprio exemplo imaculado o esplendor do serviço devocional puro. Uma vez que o Senhor Caitanya é Deus revelando a nós como Ele deseja ser servido, os ensinamentos do Senhor Caitanya são os ensinamentos mais autorizados.
A razão privada para Deus descender como o Senhor Caitanya é mais complexa, e para entendê-la será preciso adentrar nas atividades internas e confidencias de Deus. É basicamente, de fato, graças ao Senhor Caitanya que tais assuntos tornaram-se acessíveis a todos nós. (Eles são, certamente, descritos nas escrituras antigas, mas o Senhor Caitanya iluminou os significados desses textos e fez sua importância ser reconhecida por todos).
O aparecimento de Krsna como o Senhor Caitanya é o tributo pessoal de Krsna às insuperáveis atividades do serviço devocional, especialmente, de Seus devotos puros. Ademais, quando Krsna assumiu a posição de Seu maior devoto, Ele tinha, de fato, um devoto em particular em mente: Seu maior e mais íntimo devoto, que, na verdade, é uma devota: Srimat-Radharani.
Você já deve ter visto pinturas que representam Radha e Krsna juntos; o Senhor Krsna aparece como um jovem rapaz de compleição azul-enegrecida, refulgente como uma nuvem de chuva recém formada iluminada pelo sol. Srimat-Radharani é uma jovem mocinha igualmente bela; Sua compleição é brilhante como ouro derretido. Krsna toca Sua flauta, e Radharani, com Seu braço repousado suavemente sobre o ombro de Krsna, ouve encantada. É visível pela postura dEles e pela forma com que Se olham mutuamente que Eles estão profundamente apaixonados.
Ocidentais frequentemente entendem mal Radha e Krsna. Uma geração anterior, puritana, estava espantada com a noção de que Deus poderia ter uma consorte e estar envolvido em uma relação conjugal. Atualmente, pode-se encontrar pessoas de uma geração mais jovem que são muito apegadas a vida sexual, e estão empolgadas com a idéia de que Deus também seja. Ambos os grupos estão radicalmente equivocados quanto à relação de Radha e Krsna, porque ambos cometem o mesmo erro: achar que a relação entre Radharani e Krsna é como uma relação sexual mundana.
Masculino e feminino e a atração entre eles são encontrados neste mundo unicamente porque a polaridade sexual e a atração entre eles existem originalmente em Deus, em Radha-Krsna. Tem lá em cima, tem cá em baixo. Mas há diferença também. Relacionamentos sexuais mundanos são meramente reflexos pervertidos do relacionamento conjugal transcendental entre Radha e Krsna, que é puro e espiritual e destituído de qualquer vestígio de luxúria. Enquanto nossas mentes materialmente maculadas estiverem condicionadas por desejos ordinários, não seremos capazes de conceber o amor imaculado entre Radha e Krsna. Nós projetamos nossas relações doentias e nosso amor mundano em Deus. Isso é um grande erro. Uma pessoa só pode entender o amor conjugal de Radha e Krsna como ele é se ela primeiramente se tornar livre da luxúria. O Senhor Caitanya foi capaz de revelar de forma sem precedentes a confidencialíssima relação entre Radharani e Krsna porque Ele também ensinou o cantar de Hare Krsna, que destrói a luxúria e outras impurezas materiais com uma eficiência imbatível.
Podemos entender a posição de Srimat-Radharani em termos de “potência” (shakti) e o “potente” (shaktiman), ou seja, de poder ou energia, de um lado, e o possuidor do poder, a fonte energética, do outro. Para usar uma ilustração, o fogo é o potente, e o calor e a luz são as potências do fogo. A potência suprema, a fonte última de todas as energias, é Krsna; tudo o mais, material ou espiritual, é Sua potência, emanando dEle como o calor e a luz emanam do fogo. (Calor e luz são potências em relação ao potente fogo; o fogo, potência em relação ao potente sol; o sol, potência em relação a Krsna, o potente supremo. Tudo o que pode e não pode ser concebido pode ser exaustivamente descrito como Krsna e Suas potências.
Três das numerosas potências de Krsna são proeminentes. Uma delas manifesta todo o mundo material; outra, inumeráveis almas espirituais. A terceira – chamada de potência interna – manifesta o reino transcendental de Deus. Essa potência interna tem três subdivisões. Através de uma dessas potências transcendentais, Krsna mantém Sua existência e a existência de Seu reino eterno; através de outra, Ele conhece a Si mesmo e permite que outros O conheçam. E através da terceira potência interna, Ele desfruta bem-aventurança transcendental e permite que Seus devotos também desfrutem.
Tal potência interna de bem-aventurança, chamada hladini-shakti, é Srimat Radharani. Como a personificação da potência de prazer transcendental de Krsna, Srimat-Radharani é a devota mais perfeita de Krsna; Ele vive apenas para satisfazê-lO com Seu amor devocional puro. Toda forma de serviço devocional cai sobre o auspicio de Srimat Radharani e, apenas por Sua misericórdia e supervisão, os devotos são capazes de dar prazer ao Seu amado Krsna. Ela é o devoto ideal, o exemplo de amor incondicional.
Krsna e Radha são simultaneamente unos e distintos, assim como o fogo e sua luz são unos e distintos ao mesmo tempo. Assim, embora Radharani e Krsna sejam unos em Suas identidades, Eles são eternamente individuais. Radha e Krsna juntos exemplificam a simultânea igualdade e diferença da Suprema Personalidade de Deus e Sua energia, o que constitui a Verdade Absoluta. Assim, Eles ilustram o mais profundo princípio da metafísica.
Radharani e Krsna revelam que a natureza última de Deus contém variedade eterna, e a reciprocidade interminável de amor entre Eles é a base de um dinâmico processo interno pelo qual Krsna está eternamente se expandindo em beleza e bem-aventurança. Embora Radha não tenha nenhum desejo de desfrute pessoal, quando Ela vê Krsna, Seu desfrute aumenta sem limites. Porque Seu desfrute aumenta, Sua doçura e beleza também aumentam. Quando Krsna vê Radha se tornando mais e mais bela, Seu desfrute também aumenta, fazendo a beleza e doçura dEle crescerem. Quando Radha vê que Ela deu prazer a Krsna, Ela se torna dominada por um grande prazer, e na proporção que Seu desfrute é multiplicado, Ela se torna ainda mais bela e doce. Isso novamente aumenta o desfrute pessoal de Krsna, bem como sua beleza e doçura... Então essa reciprocidade segue, sem fim ou limites.
O nome Krsna significa “todo-atrativo”, e saber da reciprocidade do amor sempre crescente entre Radha e Krsna nos permite apreciar o quão atrativo é Deus – mais atrativo do que qualquer coisa deste mundo. Quando Deus é conceituado erroneamente como estático ou destituído de variedade, isso faz com que o mundo material pareça mais interessante e atrativo do que a transcendência. Esse conceito estacionário de Deus foi pego emprestado pelos filósofos cristãos de Aristóteles e consagrado na teologia medieval; e esta é uma das razões pelas quais o Renascimento se voltou para o mundo material em busca de promessas, aventuras e possibilidades crescentes. Deus foi filosoficamente entendido como actus purus, que significa que Ele era tudo o que Ele poderia ser; Ele era completamente estático, uma espécie de perfeição congelada ou cristalizada.
Conclui-se que se Deus possui a plenitude da perfeição infinita, então a perfeição divina estaria no máximo absoluto e não mais poderia crescer. Mas Krsnadasa Kaviraja diz que, embora Deus esteja na plenitude da perfeição, Ele ainda assim continua a crescer. O aparente paradoxo pode ser mais fácil de se aceitar se considerarmos um “paradoxo” similar descoberto pelos matemáticos modernos em suas investigações das propriedades dos conjuntos infinitos. Consideremos, por exemplo, um hotel com infinitos números de quartos, sendo que todos estão ocupados. Embora o hotel esteja cheio, você pode sempre hospedar mais pessoas – de fato, um número infinito de pessoas. Imaginemos que o hoteleiro queira receber mais um hóspede. Ele soa um apito, e todas as portas se abrem. O ocupante da sala 1 se muda para a sala 2, o da sala 2 para a sala 3 e assim por diante ad infinitum. O hóspede entra na sala 1, agora vazia. Similarmente, muito embora uma infinidade de número de hóspedes deixe o hotel, ele permanecerá completamente ocupado. O Isopanisad faz uma consideração similar sobre a Suprema Personalidade de Deus: Ele é tão completo que, embora incontáveis energias emanem dEle, Ele permanece completo e não reduzido. E embora Krsna seja pleno e completo, ainda assim, através de Sua troca amorosa com Radha, Ele está Se expandindo eternamente sem limites.
O Senhor Caitanya também personifica outra fase na psicologia transcendental da troca amorosa entre Radha e Krsna. Já vimos como Krsna é incessantemente fascinado e atraído por Radha. Ele acha que o amor dEla por Ele é igualmente incrível. Tal amor é livre de qualquer egoísmo e aumenta Sua admiração por Ela. Krsnadasa Kaviraja nos diz que Krsna pensa conSigo: “Qualquer prazer que eu sinta desfrutando do Meu amor por Srimat-Radharani, Ela desfruta dez milhões de vezes mais do que Eu através do Seu amor” (Cc. Adi 4.126). Krsna é o desfrutador supremo, mas Ele percebe que Srimat-Radharani, por Seu amor por Ele, desfruta de mais bem-aventurança do que Ele. Krsna, então, anseia por experimentar pessoalmente o gosto do amor de Srimat-Radharani por Ele.
A beleza e doçura de Krsna são tão ilimitadas que atraem todo o universo. Krsnadasa Kaviraja diz: “A beleza de Krsna tem uma força natural: ela estremece o coração de todos os homens e mulheres, começando com o do próprio Senhor Krsna. Todas as mentes são atraídas ao ouvirem Sua doce voz e o som de Sua flauta, ou ao verem Sua beleza. Mesmo o Senhor Krsna busca experimentar tal doçura” (Cc. Adi 4.147-148). Mas aquele que mais desfruta da beleza e doçura de Krsna é Srimat-Radharani. Seu amor imaculado é como um impecável espelho, e, nesse espelho, a beleza e doçura pessoal de Krsna brilha com grande esplendor. Krsna, assim, deseja experimentar Sua beleza e atração da mesma forma que o faz Srimat Radharani.
Por essas razões, então, Krsna deseja aceitar a posição de Srimat-Radharani. Esse desejo é eternamente satisfeito pela pessoa do Senhor Caitanya. Em sua forma como o Senhor Caitanya, Krsna assume a compleição dourada e os sentimentos devocionais de Radha, e experimenta pessoalmente a ilimitada bem-aventurança do serviço devocional.
Krsnadasa Kaviraja traz dois versos, nos quais ele sintetiza a natureza do Senhor Caitanya: “As atividades amorosas de Sri Radha e Krsna são manifestações transcendentais da potência interna de prazer do Senhor. Embora Radha e Krsna sejam unos em Suas identidades, são eternamente distintos. Agora, essas duas identidades transcendentais se uniram novamente na forma de Sri Krsna Caitanya. Ofereço minhas reverências a Ele, que Se manifestou com o sentimento e compleição de Srimat Radharani, embora Ele seja o próprio Krsna. Desejando entender a glória do amor de Radharani, as qualidades dEle que Ela desfruta sozinha através de Seu amor, e a felicidade que Ela sente quando realiza a doçura de Seu amor, o Supremo Senhor Hari, ricamente adornado com as compleições de Radharani, apareceu no ventre de Srimat Sacidevi, assim como a lua aparece do oceano” (Cc. Adi 1.5-6).
As três personalidades transcendentais de Radha, Krsna e Caitanya juntos manifestam a dialética transcendental do amor divino, a atemporal dinâmica do sempre-crescente oceano de bem-aventurança transcendental. O Senhor Caitanya descendeu para inundar o mundo com um oceano de amor distribuindo para todos o cantar dos nomes de Deus. Simplesmente por cantar Hare Krsna, qualquer um pode entrar no ilimitado oceano do néctar da devoção.
O Senhor Caitanya inaugurou o renascimento de bhakti e voltou a visão das pessoas para Deus no mesmo tempo em que o Renascimento na Europa voltava a visão das pessoas para o homem e para o mundo. Homens como da Vinci, fascinado pela estonteante e precisa complexidade da natureza material, começou a se aprofundar em seus segredos e foi retribuído com descobertas. No mesmo tempo, como que em contrabalanço, o Senhor Caitanya, através do renascimento de bhakti, deu ao mundo uma visão sem precedentes acerca da dinâmica interna do infinito amor da todo-atrativa Suprema Personalidade de Deus. Da mesma forma que os Renascentistas tentaram desvendar os segredos do mundo, o Senhor Caitanya e Seus associados desvendaram o reino de Deus e os segredos do amor transcendental.
Para as pessoas do Renascimento, o mundo e o homem pareciam imbuídos de ilimitadas possibilidades e promessas. A civilização ocidental, nos dias atuais, segue com essa visão, mas parece cada vez mais que o mundo não satisfaz o homem. A mudança de visão Renascentista de Deus para o homem e a matérias isolou as pessoas de qualquer fonte transcendental de significados e valores, o relativismo e niilismo resultantes – o fruto maduro do Renascimento – lançou energias demoníacas que devastaram o planeta em que vivemos atualmente. E há mais por vir.
O aparecimento do Senhor Caitanya, portanto, não poderia ser mais oportuno. A civilização nascida na Europa durante o Renascimento se espalhou por toda a Terra. Mas houve uma contraposição, na forma do movimento de sankirtana do Senhor Caitanya, que também se espalhou pelo Globo em cumprimento a uma profecia do próprio Senhor Caitanya. Mostrando como Krsna é imensamente amável e todo-atrativo, e fazendo Krsna facilmente acessível através do cantar de Seus nomes; o Senhor Caitanya tornou possível que voltássemos novamente nossa visão para Deus. Isso é preciso. O homem e o mundo não podem atender a expectativa que projetamos neles. Apenas Krsna e Seu reino transcendental, onde Ele revela eternamente Seus passatempos amorosos, podem fazer isso. O Seu reino é rico de promessas infinitas, convidando-nos a possibilidades ilimitadas.
Tradução por Bhagavan dasa (DvS)