terça-feira, 15 de julho de 2014

O Mito da Escassez



A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada
Ao contrário da crença popular, as estatísticas atuais demonstram que a Terra produz alimento o bastante para suprir facilmente toda a sua população. Contudo, a ganância e a exploração forçam vinte e cinco por cento da população global a ficar subnutrida. Śrīla Prabhupāda condena a desnecessária industrialização por contribuir para o problema da fome e por criar desemprego, poluição e uma hoste de outros problemas. Neste discurso, proferido em 2 de maio de 1973, em Los Angeles, advoga por um estilo de vida mais simples, mais natural e centrado em Deus.
ime jana-padāḥ svṛddhāḥ
supakvauṣadhi-vīrudhaḥ
vanādri-nady-udanvanto
hy edhante tava vīkṣitaiḥ
A rainha Kuntī disse: “Todas essas cidades e vilas estão prosperando sob todos os aspectos porque abundam ervas e grãos, as árvores estão cheias de frutas, os rios estão fluindo, as colinas estão repletas de minerais e os oceanos estão cheios de riquezas. E tudo isso se deve ao Teu olhar sobre tudo”. (Śrīmad-Bhāgavatam 1.8.40)
A prosperidade humana viceja pelas dádivas naturais, e não pelas gigantescas iniciativas industriais. As gigantescas iniciativas industriais são produto de uma civilização sem Deus e causam a destruição das nobres metas da vida humana. Quanto mais ampliamos essas indústrias problemáticas para sugarem a energia vital do ser humano, mais haverá insatisfação da massa geral de pessoas, embora alguns poucos possam viver de maneira esbanjadora através da exploração.
As dádivas naturais, como os grãos, legumes, frutas, rios, colinas de pedras preciosas e minerais e mares cheios de pérolas, são fornecidas pela ordem do Supremo, e, segundo Ele deseje, a natureza material as produz em abundância ou as restringe de tempos em tempos. A lei natural é que o ser humano pode se beneficiar com essas dádivas divinas da natureza e, deste modo, prosperar satisfatoriamente, sem ser cativado pela motivação exploradora de assenhorear-se da natureza material.
Quanto mais tentamos explorar a natureza material de acordo com os nossos caprichos, mais ficamos presos pela reação de tais esforços exploradores. Se temos grãos, frutas, legumes e vegetais o bastante, qual é a necessidade de administrar um abatedouro e matar pobres animais?
O homem não necessita matar um animal se ele tem grãos, legumes e verduras o suficiente para comer. O fluir de um rio fertiliza os campos, e há mais do que necessitamos. Os minerais são produzidos nas colinas, e as pérolas, no oceano. Se a civilização humana tem grãos, minerais, pérolas, água, leite etc. o suficiente, por que deveria ansiar por iniciativas industriais terríveis a custo da labuta de alguns homens desafortunados?
Entretanto, todas essas dádivas naturais dependem da misericórdia do Senhor. Do que precisamos, portanto, é sermos obedientes às leis do Senhor e obter a perfeição da vida humana através do serviço devocional. As indicações de Kuntī-devī vão diretamente ao ponto. Ela deseja que a misericórdia de Deus seja conferida a ela e a seus filhos a fim de que a prosperidade natural seja mantida pela graça dEle.
Kuntī-devī menciona que os grãos são abundantes, as árvores são cheias de frutas, os rios fluem perfeitamente, as colinas estão cheias de minerais e o oceano está cheio de riquezas, mas ela em momento algum menciona que há abundância de indústrias e abatedouros, pois isso são coisas sem sentido que os homens desenvolveram para criar problemas.
Se dependermos da criação de Deus, não haverá escassez, mas simplesmente ānanda, bem-aventurança. A criação de Deus provê grãos e grama o bastante, e, enquanto comemos os grãos e as frutas, os animais, como as vacas, comerão a grama. Os touros nos ajudarão a produzir grãos e comerão apenas um pouco, ficando satisfeitos com o que joguemos fora. Se comermos as frutas e jogarmos fora a casca, os animais ficarão satisfeitos com a casca. Deste modo, com Kṛṣṇa no centro, pode haver completa cooperação entre árvores, animais, seres humanos e todas as entidades vivas. Isso é a civilização védica, uma civilização de consciência de Kṛṣṇa.
Kuntī-devī ora ao Senhor: “Esta prosperidade se deve ao Teu olhar”. Quando nos sentamos no templo de Kṛṣṇa, Kṛṣṇa olha para nós e tudo fica bem. Quando almas sinceras tentam se tornar devotos de Kṛṣṇa, Kṛṣṇa muito amavelmente Se coloca perante elas em Sua opulência plena e lança-lhes o Seu olhar, momento no qual se tornam felizes e belas.
Similarmente, toda a criação material se deve ao olhar de Kṛṣṇa (sa aikṣata). Nos Vedas, é dito que Ele lançou Seu olhar sobre a matéria, agitando-a assim. Uma mulher em contato com um homem se agita e engravida e, então, pare filhos. Toda a criação segue um processo similar. Simplesmente pelo olhar de Kṛṣṇa, a matéria se agita e, então, engravida e dá a luz às entidades vivas. É simplesmente por Seu olhar que as plantas, árvores, animais e todas as outras entidades vivas surgem. Como isso é possível? Nenhum de nós pode dizer: “Simplesmente por olhar para minha esposa, posso engravidá-la”. Contudo, embora isso nos seja impossível, não é impossível para Kṛṣṇa. A Brahma-saṁhitā (5.32) diz, aṅgāni yasya sakalendriya-vṛttimanti: “Toda parte do corpo de Kṛṣṇa tem todas as capacidades das outras partes”. Com nossos olhos, podemos ver, mas Kṛṣṇa pode engravidar simplesmente por lançar Seu olhar. Não há necessidade de sexo, porque, simplesmente por olhar, Kṛṣṇa pode engravidar.
No Bhagavad-gītā (9.10), o Senhor Kṛṣṇa diz, mayādhyakṣeṇa prakṛtiḥ sūyate sa-carācaram: “Por meio de Minha supervisão, a natureza material faz nascerem todos os seres móveis e inertes”. A palavra akṣa significa “olhos”, então akṣeṇa indica que todas as entidades vivas nascem por causa do olhar do Senhor. Há dois tipos de entidades vivas – os seres móveis, como insetos, animais e seres humanos, e os seres inertes, como árvores e plantas. Em sânscrito, esses dois tipos de entidades vivas se chamam sthāvara-jaṅgama e ambos se originam na natureza material.
É claro que o que vem da natureza material não é a vida, mas o corpo. As entidades vivas aceitam tipos particulares de corpo a partir da natureza material, assim como uma criança obtém seu corpo a partir de sua mãe. Por dez meses, o corpo da criança se desenvolve a partir do sangue e dos nutrientes do corpo da mãe, mas a criança é uma entidade viva; não matéria. É a entidade viva que se refugia no ventre da mãe, que então fornece os ingredientes para o corpo dessa entidade viva. Esse é o proceder da natureza. A mãe pode não saber como, de seu corpo, outro corpo é criado, mas, quando o corpo da criança está pronto, ela nasce.
Não é o caso que a entidade viva nasce. Como declarado no Bhagavad-gītā (2.20), na jāyate mriyate vā: a entidade viva não nasce e não morre. Aquilo que não nasce não morre; a morte cabe àquilo que foi criado, e o que não foi criado não morre. O Gītā diz, na jāyate mriyate vā kadācit. A palavra kadācit significa “a qualquer momento”. Em tempo algum, a entidade viva de fato nasce. Apesar de talvez vermos que uma criança nasce, não nasce de fato. Nityaḥ śāśvato ’yaṁ purāṇaḥ. A entidade viva é eterna (śāśvata), sempre existente e muitíssimo antiga (purāṇa). Na hanyate hanyamāne śarīre (Bhagavad-gītā 2.20): não pensemos que, quando o corpo é destruído, a entidade será destruída. Não. A entidade viva continuará a existir.
Kuntī-devī diz, ime jana-padāḥ svṛddhāḥ supakvauṣadhi-vīrudhaḥ: “Os grãos abundam, as árvores estão cheias de frutas, os rios estão fluindo, as colinas estão repletas de minerais, e os oceanos estão cheios de riquezas”. (SB 1.8.40) O que mais alguém poderia desejar? A ostra produz pérolas, e, antigamente, as pessoas decoravam o corpo com pérolas, pedras preciosas, seda, ouro e prata. No entanto, onde estão essas coisas agora? Atualmente, com o avanço da civilização, há muitíssimas belas moças que não têm ornamentos de ouro, pérolas ou pedras preciosas, mas apenas pulseiras de plástico. Então, qual é o valor de indústrias e matadouros?
Pelo arranjo de Deus, o sujeito pode ter grãos o bastante, leite o bastante, frutas o bastante e legumes o bastante, bem como a água de um rio límpido. Agora, entretanto, como vejo enquanto viajo pela Europa, todos os rios lá se tornaram asquerosos. Esse é o proceder da natureza, e o proceder da natureza é o proceder de Kṛṣṇa. Então, qual é a utilidade de construir imensos sistemas hidráulicos para fornecer água?
A natureza já nos deu tudo. Se queremos riquezas, podemos pegar pérolas e nos tornarmos ricos; não há necessidade de ficar rico mediante a abertura de uma imensa fábrica para produzir peças de automóveis. Por meio de tais iniciativas industriais, tudo o que criamos foram problemas. De outro modo, temos apenas que depender de Kṛṣṇa e da misericórdia de Kṛṣṇa, porque, pelo olhar de Kṛṣṇa (tava vīkṣitaiḥ), tudo fica bem. Então, se simplesmente rogarmos pelo olhar de Kṛṣṇa, não haverá questão de escassez ou necessidade. Tudo estará completo. A ideia do movimento da consciência de Kṛṣṇa, portanto, é depender das dádivas da natureza e da graça de Kṛṣṇa.
As pessoas dizem que a população está crescendo, em virtude do que estão detendo isso através de meios artificiais. Por quê? Os pássaros e bestas estão ampliando sua população e não têm nenhum contraceptivo, mas carecem de alimentos? Alguma vez vimos pássaros ou animais terrestres morrendo por falta de comida? Talvez na cidade, mas com pouca frequência. Se formos à selva, contudo, veremos que todos os elefantes, leões, tigres e outros animais estão muito fortes e robustos. Quem está fornecendo alimento a eles? Alguns deles são vegetarianos e alguns deles não o são, mas a nenhum deles falta comida.
É claro que, pelo proceder da natureza, o tigre, não sendo vegetariano, não obtém comida todos os dias. Afinal, quem se colocará diante de um tigre para se tornar seu alimento? Quem dirá ao tigre: “Senhor, sou um altruísta e vim lhe alimentar. Então, pegue meu corpo”? Ninguém. Diante disso, o tigre tem dificuldade em encontrar alimento. E tão logo o tigre sai para caçar, um animal o segue e emite um som de modo que os outros animais saibam: “O tigre está caçando”. Então, pelo proceder da natureza, o tigre tem dificuldades. Ainda assim, porém, Kṛṣṇa fornece o alimento. Após cerca de uma semana, o tigre obterá a chance de vitimar um animal e, porque não obtém alimento fresco diariamente, manterá a carcaça em algum arbusto e comerá um pouco cada dia. Visto que o tigre é muito poderoso, as pessoas querem se tornar como um leão ou um tigre. Contudo, essa não é uma proposta muito boa, pois, se alguém de fato se torna como um tigre, não obtém comida diariamente, senão que terá de buscar por comida com muito esforço. Se alguém se torna vegetariano, porém, conseguirá alimento todos os dias. O alimento de um vegetariano está disponível em todo lugar.
Agora, em toda cidade há abatedouros, mas isso significa que os abatedouros podem fornecer o suficiente para que alguém viva comendo somente carne? Não. Não haverá um suprimento adequado. Até mesmo comedores de carne têm que comer grãos, frutas e legumes junto de seu pedaço de carne. Ainda assim, por esse pedaço diário de carne, matarão muitíssimos pobres animais. Como isso é pecaminoso! Se as pessoas cometem atividades assim tão pecaminosas, como podem ser felizes? Essa matança não deveria acontecer, mas, porque está acontecendo, as pessoas estão infelizes. Entretanto, se alguém se torna consciente de Kṛṣṇa e simplesmente depende do olhar de Kṛṣṇa (tava vīkṣitaiḥ), Kṛṣṇa fornecerá tudo e não haverá mais questão de escassez.
Ora parece haver escassez, ora vemos que grãos e frutas são produzidos em tamanha quantidade que as pessoas não conseguem comer tudo. Trata-se, portanto, de uma questão do olhar de Kṛṣṇa. Se Kṛṣṇa quer, Ele pode produzir uma grande quantia de grãos, frutas e legumes, mas, se Kṛṣṇa deseja restringir o fornecimento, que bem haverá na carne? Vocês podem me comer ou eu posso comer vocês, mas isso não solucionará o problema.
Para verdadeira paz e tranquilidade e um fornecimento suficiente de leite, água e tudo mais, temos simplesmente que depender de Kṛṣṇa. É isso que Bhaktivinoda Ṭhākura nos ensina quando diz, mārabi rākhabi-yo icchā tohārā: “Meu querido Senhor, eu simplesmente me rendo a Ti e dependo de Ti. Agora, se quiseres, podes matar-me ou podes proteger-me”. E Kṛṣṇa diz em resposta: “Sim. Sarva-dharmān parityajya mām ekaṁ śaraṇaṁ vraja: simplesmente rende-te a Mim exclusivamente”. (Bg. 18.66) Ele não diz: “Sim, depende de Mim e também depende de teus abatedouros e fábricas”. Não. Ele diz: “Depende unicamente de Mim. Ahaṁ tvāṁ sarva-pāpebhyo mokṣayiṣyāmi: resgatar-te-ei dos resultados de tuas atividades pecaminosas”.
Porque vivemos muitíssimos anos sem sermos conscientes de Kṛṣṇa, vivemos nada além de uma vida pecaminosa, mas Kṛṣṇa nos garante que, tão logo alguém se renda a Ele, imediatamente Ele liquida todos os débitos e finda todas as atividades pecaminosas do indivíduo a fim de que ele possa começar uma vida nova. Quando iniciamos discípulos, nós, portanto, dizemos a eles: “Agora, o débito está quitado. Agora, não cometa mais atividades pecaminosas”.
Não se deve pensar que, como o santo nome de Kṛṣṇa pode anular as atividades pecaminosas, pode-se cometer uma pequena atividade pecaminosa e cantar Hare Kṛṣṇa para anulá-la. Essa é a maior das ofensas (nāmno balād yasya hi pāpa-buddhiḥ). Os membros de algumas ordens religiosas vão à igreja e confessam seus pecados, mas, em seguida, cometem novamente as mesmas atividades pecaminosas. Qual, então, é o valor da confissão? A pessoa pode confessar: “Meu Senhor, por ignorância, cometi tal pecado”. Porém, não se deve planejar: “Cometerei pecados e, depois, irei à igreja confessá-los. Com os pecados anulados, posso começar um novo capítulo de vida pecaminosa”. De modo similar, não se deve deliberadamente tirar proveito do cantar do mantra Hare Kṛṣṇa para neutralizar as atividades pecaminosas e, então, recomeçar os atos pecaminosos. Devemos ser muito cautelosos. Antes da iniciação, promete-se não fazer sexo ilícito, não usar intoxicantes, não se envolver com jogos de azar e não comer carne, e tais votos a pessoa tem que seguir estritamente. A pessoa, então, estará limpa. Se o indivíduo se mantém limpo dessa maneira e sempre se ocupa em serviço devocional, sua vida será bem-sucedida e não haverá escassez de nada que ele queira.
 

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