terça-feira, 10 de abril de 2012

Espiritismo e Consciência de Krishna: Um Estudo Comparativo em Transmigração da Alma, Posição dos Espíritos (Bhutas), Epistemologia e Objeto de Culto


Espiritismo e Consciência de Krishna: Um Estudo Comparativo em Transmigração da Alma, Posição dos Espíritos (Bhutas), Epistemologia e Objeto de Culto
PARTE 4 de 4






Objeto de Culto

Alguém talvez diga: “Mas os seguidores de karma-kandha também adoram a Deus”. No concernente a isso, Bhaktivinoda comenta: “Karma não é nada senão atividades egoístas. Os karmis [seguidores do caminho karma-kandha] não buscam exclusivamente a misericórdia de Krishna. Embora respeitem Krishna, seu propósito principal é obter alguma sorte de felicidade”. (Sajjana Tosani 11.11)

Certamente os seguidores de karma-kandha nunca buscam exclusivamente a misericórdia de Krishna, ou Deus, mas é possível inclusive que indivíduos desenvolvam até mesmo o pensamento ateísta conhecido como karma-mimamsa, o qual, já mencionado antes, diz que, se alguém adora Deus, mas não age piedosamente, ele é castigado pela lei do karma, ao passo que alguém que não adora a Deus, mas age piedosamente, é elevado pela lei do karma. Diante desta fórmula, adorar ou não a Deus se torna irrelevante, logo a existência ou inexistência de Deus também se torna irrelevante. Seria este o pensamento que conduziu os espíritos a promoverem o “fazer ao próximo o que desejaria para si” acima do “adorar a Deus de toda sua alma”?

Neste ponto, o amigo leitor talvez tenha três possíveis questionamentos, os quais responderemos antes de chegarmos às considerações finais. “O espiritismo, ao menos, não aprimorou o conhecimento católico? Não é injusto categorizar os trabalhadores das colônias com os obsessores ambos sob o mesmo título de bhutas? Krishna diz que aqueles que adoram os bhutas vão ter com os bhutas, mas os espíritas não adoram os bhutas”.

O espiritismo teria aprimorado o catolicismo caso houvesse apenas adicionado a lei do karma a este e houvesse mantido a salvação por misericórdia de Deus por render-se inteiramente a Ele. Contudo, deslumbrados com a lei do karma, ofuscaram a adoração a Deus por esta. Além do mais, se o progresso se faz por conduta moral, e não por inteligência, de que adianta os espíritas terem mais conhecimento do que os católicos, supostamente, mas não terem projetos de caridade ou princípios morais superiores aos primeiros? Embora desconhecedores da lei do karma, os católicos nem se dão à prática proibida no velho testamento, de interrogar os mortos, nem querem alcançar Deus por seus próprios méritos, salvo o mérito de se renderem. Onde está o aprimoramento do espiritismo, então, que não soube conciliar lei do karma e rendição a Deus?

Krishna exemplifica de maneira simples que aqueles que adoram os bhutas irão ter com os bhutas, mas disse mais amplamente também que onde quer que esteja nosso estado de consciência, para lá iremos. Assim, aqueles que se absorvem em pensar e servir bhutas que tomam corpos para beber e fumar irão ter com tais bhutas, ao passo que aqueles que pensam e servem os bhutas que residem em Antariksa, irão para Antariksa. Há diferentes nomenclaturas sim em sânscrito para designar diferentes bhutas. Pode-se chamar alguns de yaksas, traduzidos no Srimad-Bhagavatam da BBT, a editora do Movimento Hare Krishna, como “superprotetores” (3.10.28) e “espíritos semipiedosos” (10.85.41), e outros de raksasas, “aqueles contra quem temos de nos proteger”. Contudo, dentro da dicotomia ir para Deus ou ir para os bhutas; diante de Deus, tanto os bhutas de mais luz quanto os de menos luz são apenas bhutas: Quem compararia o prazer de estar com eles com o prazer de estar com Deus?

Quanto ao espiritismo não adorar bhutas, teremos de analisar qual acepção da palavra adorar comportaria essa negação. A etimologia de adorar, “oferecer ouro”, certamente é algo mais peculiar a escolas de herança africana; contudo, se entendermos adorar como ensinam a Bíblia e o Bhagavad-gita, respectivamente “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu pensamento” e “Ocupa tua mente em pensar sempre em Mim”, os espíritas sim adoram os bhutas, conferindo-lhes parte do pensamento que Deus exige inteiramente para Si.

Considerações Finais

Enfim, aqueles adeptos da consciência de Krishna não devem se confundir nem se dar a sincretismos ou duplas pertenças com o espiritismo, haja vista que a consciência de Krishna explica-o inteiramente e vai além. Alguém consciente de Krishna deve estar convicto desta declaração de modo a não desejar elevação a moradas superiores dentro do mundo material:

O nascimento como um ser humano é o melhor de todos. Mesmo o nascimento entre os semideuses nos planetas celestiais não é tão glorioso quanto o nascimento como um ser humano na Terra. Qual é a utilidade da posição de um semideus? Nos planetas celestiais, devido a profusos confortos materiais, não há possibilidade de associação com os devotos. (Srimad-Bhagavatam 5.13.21)

Assim, é aqui na Terra, na companhia dos devotos que adoram exclusivamente Deus em completo esclarecimento pelas escrituras reveladas por Deus, companhia esta facilitada pela Sociedade Internacional para a consciência de Krishna, que nos valeremos dos meios para, no momento da morte, estarmos inteiramente absortos em Deus para com Ele irmos estar. Assim como alguém que acumula mau karma é obrigado a sofrer, aquele que acumula bom karma é obrigado a experimentar felicidade, saúde e bem-estar aqui neste mundo material, o que o faz achar que é feliz e que pode obter felicidade por seu próprio esforço, mesmo desconectado de Deus – certamente necedade.

Não há dúvidas que obter o estado de consciência de Krishna é difícil*, porém devemos dar o nosso melhor certos de que, onde o nosso melhor não chegue, chega a misericórdia de Krishna**. É válido lembrar que caso, neste esforço de estarmos absortos em Krishna, ou Deus, no momento de nossa morte, não sejamos bem-sucedidos, Krishna diz que não há perda, porque Ele próprio nos coloca nos planetas superiores, para terminarmos nossos desejos de tentarmos ser felizes mesmo morando em um local onde Ele não está pessoalmente presente, e, após essa residência, faz o arranjo para que nasçamos novamente na Terra em uma família que facilitará nossas práticas religiosas da consciência de Krishna*** quer provendo-nos as necessidades materiais sem que precisemos trabalhar arduamente, quer dando-nos diretamente o conhecimento espiritual.

*“Dentre muitos milhares de homens, talvez haja um que se esforce por obter a perfeição, e, dentre aqueles que alcançaram a perfeição, é difícil encontrar um que Me conheça de verdade”. (Bhagavad-gita 7.3) Certamente quase todas as pessoas se tornarão bhutas no momento da morte com a formação que se possui atualmente no mundo, salvo as pessoas deveras religiosas. Quase todos se tornarem bhutas à hora da morte, quer errantes (com muito pecado), quer residentes de Antariksa (semipiedosos), certamente reforçará a convicção dos residentes de Antariksa de que esse é o estado normal que se alcança à hora da morte, e aqueles que acreditavam diferente, que acreditavam que se pode alcançar a morada de Deus a partir desta vida na Terra; por não terem a conduta capaz de lhes dar esse resultado de ir ter com Deus, serão doutrinados a acreditarem que tal evento de tornar-se fantasma é normal, e não produto de iniquidade. Vejamos como são praticamente universais na atualidade as condições que tornam alguém bhuta à hora da morte, segundo o Garuda Purana (2.22.68-74):

“Se um homem come alimento oferecido por um homem caído e morre com esse alimento dentro de seu estômago antes de ter sido digerido, ele se torna fantasma. Um sacerdote que preside o sacrifício de uma pessoa indigna e negligencia aquele de um sacrificante digno, e um homem que vive na companhia de pessoas desprezíveis, ambos se tornam fantasmas. Aquele que se dá à companhia de bêbados e tem relação com uma mulher viciada em vinho ou que come carne sem qualquer culpa torna-se um fantasma. Aquele que rouba a propriedade de um brahmana [intelectual religioso] ou de um templo ou de seu preceptor se torna fantasma. Aquele que abandona sua mãe, sua irmã, sua esposa, sua filha ou sua cunhada, apesar de serem inocentes, torna-se um fantasma. Todos estes certamente se tornam fantasmas: Um homem que toma posse de algo ilegitimamente, um homem traiçoeiro para com seus amigos, alguém que se atrai pela mulher de outrem, um homem infiel e um canalha mentiroso. Um homem que odeia seus irmãos, o assassino de um brahmana, aqueles que matam vacas, alguém viciado em bebidas alcoólicas, alguém que deprava a cama de seu preceptor, alguém que negligencia ritos tradicionais, alguém afeito a contar mentiras, aqueles que roubam dinheiro e indivíduos que roubam terra – todos estes tornam-se fantasmas”.

Quem, senão Srila Prabhupada e outros propagadores da consciência de Krishna, ensina a evitação de tudo isto, desde o não consumo de carne e a não alimentação em estabelecimentos mundanos até a castidade e a abstinência de todo intoxicante, quer lícito, quer ilícito nas diferentes constituições dos diferentes países do mundo? E ainda, quem, senão a consciência de Krishna, fornece gosto superior suficiente nas práticas espirituais para que tais atos não sejam meramente reprimidos?

**“Embora ocupado em todas as espécies de atividades, Meu devoto puro, sob Minha proteção, alcança, por Minha graça, a morada eterna e imperecível”. (Bhagavad-gita 18.56)

***“Após muitos e muitos anos de gozo nos planetas habitados por entidades vivas piedosas, o yogi [aquele que está tentando se reconectar com Deus] malogrado nasce em uma família de pessoas virtuosas ou em uma família aristocrata e rica. Ou [se fracassa após longa prática] ele nasce numa família de transcendentalistas que com certeza têm muita sabedoria. É claro que semelhante nascimento é raro neste mundo”. (Bhagavad-gita 6.41-42)

Os irmãos adeptos do espiritismo, por sua vez, valendo-se de sua qualidade de aceitar ouvir de autoridades e de aceitar a possibilidade de sempre progredir estão convidados a conhecerem a fundo a consciência de Krishna, e, quer com a ajuda da consciência de Krishna, quer por outro recurso que achem sensato, analisar se não há na Terra ensinamentos superiores aos trabalhos psicografados dentro da doutrina espírita. O que há de se perder?

Sobre o Autor

Bhagavan Dasa Adhikari (Thiago Costa Braga) é mestrando em Letras pela PUC-Minas e graduando em Filosofia pela UFJF. Possui a titulação internacional Bhakti-sastri, adquirida após residência no Seminário de Filosofia e Teologia Hare Krishna de Campina Grande, onde foi iniciado por Sua Santidade Dhanvantari Swami. Ministra palestras regulares sobre a consciência de Krishna desde 2005. Já traduziu mais de 10 livros e mais de 100 artigos sobre filosofia e teologia gaudiya-vaishnava e atualmente é chefe do departamento de tradução e revisão da BBT Brasil, a maior editora no Ocidente de livros sobre o pensamento indiano.

por Thiago Costa Braga
(Bhagavan Dasa Adhikari Bhakti-sastri)

Contato

Aqueles interessados em conversar com o autor acerca da temática deste podem se corresponder pelo e-mail bgdasa@hotmail.com. Pede-se a cortesia da leitura prévia das obras O Bhagavad-gita Como Ele É (vedabase.com/pt-br/bg) e Krsna, a Suprema Personalidade de Deus (www.sankirtana.com.br/livros-revistas/srila-prabhupada/krishna-volume-1-e-2.html).

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