segunda-feira, 28 de junho de 2010

Transformando água em vinho de Tom Harpur



Transformando água em vinho
de Tom Harpur


Páginas: 232 págs.

Depois do sucesso extraordinário e duradouro de O Cristo dos
Pagãos, o pesquisador e escritor Tom Harpur recebeu de seus leitores
uma enxurrada de pedidos para aprofundar a abordagem mitológica e
alegórica da história de Jesus, apresentada nesse best-seller.
Em Transformando Água em Vinho, Harpur expõe a mensagem
poderosa e transformadora que vem à tona quando os Evangelhos são
finalmente lidos como deveriam ter sido desde o início, e como foram
entendidos pelos primeiros cristãos – como Clemente de Alexandria e
Orígenes.

Vistas em seu verdadeiro significado mitológico e simbólico, as
histórias dramáticas da vida de Jesus ressurgem de maneira totalmente
nova – não como relatos de um homem-deus singular e distante, que
operava milagres estranhos, como o Super-Homem ou outro mago da
ficção, mas como a descrição da evolução espiritual dentro de cada um de
nós. Transformando Água em Vinho é uma obra revolucionária, capaz de
inspirar e encorajar qualquer pessoa em busca da realização espiritual.

UM LANÇAMENTO





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Oráculo Sagrado das Deusas de Kris Waldherr



Oráculo Sagrado das Deusas
de Kris Waldherr


Páginas: 120 págs. + 80 cartas

Capa: Caixa
Formato: 16 x 20 cm


Famosa pelo seu trabalho artístico maravilhoso sobre o tema das
deusas, Kris Waldherr oferece, em Oráculo Sagrado das Deusas, um
conjunto de cartas visualmente surpreendentes e fáceis de consultar.
Oitenta deusas do mundo todo estão representadas nas cartas
primorosas que acompanham este livro, cada uma delas representando
uma ilustração da divindade, seus atributos e uma mensagem de extrema
força, inspirada pela história única dessa deusa. Este Oráculo Sagrado é o
método ideal para você conhecer uma nova maneira de ver a vida,
baseada na fonte de sabedoria divina que existe dentro de você, e
despertar sua intuição com respeito ao amor, à saúde, à criatividade, à
maternidade e a muitos outros aspectos do universo feminino.




UM LANÇAMENTO

Elixires de Cristais – novo horizonte da cura interior de Berenice de Lara



Elixires de Cristais – novo horizonte
da cura interior
de Berenice de Lara


Páginas: 312 págs. + 79 cartas

Capa: Caixa
Formato: 16 x 23 cm

Este é um livro indispensável para aqueles que se interessam por cristais
e pedras preciosas, seja para utilização em trabalhos terapêuticos, seja para
começar a trilhar o caminho mágico dos cristais e seus efeitos no dia a dia.
Fotos coloridas embelezam e ajudam na identificação dos cristais.
Acompanha o livro um belíssimo conjunto de 79 cartas terapêuticas,
constituído por fotos da aura de 60 cristais e de gotas de 19 fórmulas
desenvolvidas para atuar em questões específicas, como melhora da
autoestima, proteção, elevação do padrão vibratório, emagrecimento, etc.
Seus padrões coloridos e de formas abstratas ecoam no inconsciente,
permitindo o seu uso como um oráculo de apoio para os iniciantes ou
terapeutas experimentados, e ajudam na interpretação do momento de cada
um – um trabalho pioneiro e inovador, nunca apresentado antes desta forma.

UM LANÇAMENTO





Chakras – centro de energia de transformação de Harish Johari



Chakras – centro de energia de
transformação
de Harish Johari


Páginas: 200 págs.

Em Chakras – Centros de Energia de Transformação, Harish Johari,
erudito indiano e praticante do Tantra, introduz os princípios básicos dos
chakras, bem como a sua aplicação prática nos dias de hoje. Nesta edição
revisada e acrescida de ilustrações coloridas e em preto e branco, Johari
revela os mistérios desses centros sutis de transformação com técnicas de
visualização essenciais para uma prática tântrica plenamente realizada.
Ele explica a conexão de cada chakra com cores, sons, órgãos dos
sentidos e da ação, desejos, elementos, planetas e divindades, bem como
as características comportamentais e efeitos da meditação nos chakras.
Estudiosos e aspirantes espirituais de todos os níveis vão considerar
Chakras – Centros de Energia de Transformação uma valiosa e prática
fonte de informação, repleta de técnicas para ativar esses centros de
energia transformadora e elevar o conhecimento intelectual a uma
experiência inestimável de crescimento interior.




UM LANÇAMENTO





segunda-feira, 14 de junho de 2010

Baladeva Vidyabhusana, o Vedantista Gaudiya - 2








Baladeva Vidyabhusana, The Gaudiya Vedantist

Dayananda dasa e Nandarani devi dasi



parte 2 de 2



Resumo da Parte 1



No começo do século XVIII, após vigoroso estudo da filosofia Vedanta, Baladeva Vidyabhusana aceitou os ensinamentos do Senhor Caitanya como a mais elevada revelação da Verdade Absoluta. Enquanto isso, uma seita no Rajastão conhecida como os Ramanandis estava questionando a autenticidade do movimento do Senhor Caitanya. Embora os Ramanandis estivessem florescendo sob o patronato do rei Jai Singh, o rei favoreceu os Gaudiyas (seguidores do Senhor Caitanya) e era devoto de Govinda, uma de suas principais Deidades.



Os Ramanandis alegaram que os seguidores do Senhor Caitanya eram externos às quatro linhas (sampradayas) discipulares reconhecidas, em razão do que não tinham posição válida. Se os Gaudiyas fracassassem na defesa da legitimidade do movimento do Senhor Caitanya, eles poderiam perder toda respeitabilidade e até mesmo o direito de adorar Govinda. Visvanatha Cakravarti Thakura, o líder dos Gaudiyas em Vrndavana, viram em Baladeva o qualificado defensor do Vaisnavismo Gaudiya.


Parte 2



Jai Singh preparou-se para o confronto religioso que ele sabia ser inevitável. Ele reuniu e estudou os escritos da seita Gaudiya e os comparou aos escritos de outras sampradayas Vaisnavas. Ele estudou o Bhagavata Purana e seus comentários de Sridhara Svami, Sanatana Gosvami e Jiva Gosvami. Ele entregou-se ao estudo do Vedanta-sutra e de seus comentários compostos por Sankara, Ramanuja, Madhva, Vallabha e Nimbarka. Ele também examinou as obras de Sanatana Gosvami, Rupa Gosvami, Gopala Bhatta Gosvami, Jiva Gosvami e Krsnadasa Kaviraja Gosvami, os principais teólogos da escola Gaudiya. E ele leu o Gita-govinda, de Jayadeva, a poesia que frequentemente evocou expressões de amor extático em Caitanya Mahaprabhu.



Jai Singh queria conciliar as diferenças entre as principais seitas do Vaisnavismo. Ele acreditava que essas diferenças não tinham base filosófica, logo porfiar continuamente não seria de nenhuma utilidade real. Tendo completado sua pesquisa, ele compôs uma tese intitulada Brahma-bodhini, advogando a unidade dos Vaisnavas.



A atração do rei por Krsna havia sido despertada durante sua primeira visita a Vrndavana, como uma criança de sete anos de idade. Ele fora convidado a ir para lá por seu pai, o comandante militar do distrito, o qual havia sido encarregado de proteger as caravanas entre Agra e Mathura. A partir dessa pouca idade, Jai Singh passou a considerar-se devoto de Krsna. Agora, seu estudo dos escritos dos Gosvamis de Vrndavana cristalizou seus sentimentos. Sua devoção a Radha e Krsna, porém, seria testada pelos Ramanandis.



“Os Gaudiyas não devem adorar Radha e Krsna juntos”, os Ramanandis disseram-lhe. “Radha e Krsna não são casados. Não há precedentes dEles sendo adorados juntos! Sita e Rama ficam juntos, e Laksmi e Narayana, porque são casados. Radha e Krsna, contudo, não são casados”.



Agora os Ramanandis estavam incrementando a contenda. Eles não apenas criticaram a linhagem Gaudiya, mas também apontaram uma falha no método Gaudiya de adoração. Os Ramanandis exigiram que Radha fosse removida do altar principal e colocada em outra sala, para ser adorada separadamente.



Jai Singh enviou sua palavra aos mahantas (autoridades religiosas) dos templos Gaudiyas. “Vocês têm de preparar uma resposta às críticas verbalizadas pelos Ramanandis do vale Galta. Sou simpático à filosofia e à prática de vocês, mas sua resposta deve ser adequada para silenciar os panditas Ramanandis, ou então serei forçado a separar Radha de Krsna”.



Os mahantas dos quatro principais templos Gaudiyas de Amber enviaram sua resposta por escrito. Eles explicaram que Rupa, Sanatana e Jiva Gosvamis compartilhavam da mesma opinião acerca de Radha e Krsna: Eles podiam ser adorados ou como casados (svakiya-rasa) ou como solteiros (parakiya-rasa), dado que ambos esses passatempos (lila) são eternos. A adoração de Krsna em qualquer lila é adequada para o estabelecimento da relação eterna de um devoto com o Supremo.



Os Ramanandis rejeitaram esses argumentos. Lutando por seu poder religioso e político, eles novamente buscaram por Jai Singh.



Como Radha e Krsna não eram casados, os Ramanandis queixaram-se, adorá-lOs juntos era mostrar condescendência com a relação questionável dEles. Os Ramanandis também criticaram os Gaudiyas por adorarem Krsna sem antes adorarem Narayana.



A fim de apaziguar os Ramanandis, Jai Singh disse-lhes que iria solicitar aos Gaudiyas que deixassem a Deidade de Radharani em uma sala separada. Ele também lhes pediria que explicassem sua transgressão da etiqueta Vaisnava negligenciarem a adoração a Narayana, e solicitaria que provassem sua conexão com a Madhva-sampradaya.

Visvanatha Encarrega Baladeva



Visvanatha Cakravarti, um estudioso de grande renome, viveu em Vrndavana nessa época. Visvanatha nasceu em 1646, em uma vila bengali chamada Saidabad, onde passou os primeiros anos de sua vida. Assim como outros jovens aspirantes à vida renunciada, Visvanatha teve problemas com sua família, a qual lhe prometeu em casamento ainda jovem de modo a prendê-lo na vida doméstica. Como um jovem casado, Visvanatha estudou extensivamente, e, enquanto vivia com sua família em Saidabad, escreveu brilhantes comentários a escrituras Vaisnavas.

Durante sua vida em Saidabad, Visvanatha recebeu iniciação de Radha-ramana Cakravarti e estudou o Srimad-Bhagavatam e outras escrituras Vaisnavas com o pai de Radharamana, Krsnacarana Cakravarti. Radha-ramana era distanciado por três gerações do principal preceptor de sua linha, Narottama dasa Thakura.



Por fim, Visvanatha deixou sua família e partiu para Vrndavana, onde viveu no Radha-kunda. Ele aceitou formalmente as vestes de um renunciante e passou então a ser conhecido como Harivallabha. Ele continuou a escrever e a pregar, e, por fim, tornou-se o líder da comunidade Gaudiya em Vrndavana.



Quando ocorreu o evento de Govinda mudar-Se para o Rajastão em 1707, Visvanatha tinha mais de sessenta anos. O idoso erudito acompanhou interessado os desenvolvimentos em Amber. O que se daria com Govinda e Seus sacerdotes naquele ambiente pluralístico, no vórtice das forças opostas da devoção do jovem rei, do antagonismo dos Ramanandis, e da presença ameaçadora de muitíssimas seitas?



Visvanatha regularmente comunicava-se com os mahantas dos templos Vaisnavas em Amber. Conquanto ele houvesse esperado por problemas com os Ramanandis, o litígio demorou alguns anos antes de intimidar os sacerdotes Gaudiyas ou afetar a adoração à Deidade. Agora, ele sabia, eles já se desesperavam diante do crescente antagonismo dos Ramanandis.



Visvanatha buscou por Baladeva. “Precisamos refutar os pontos dos Ramanandis”, Visvanatha disse ao seu favorito. “Não será fácil, mas podemos derrotá-los”.



Baladeva enfureceu-se com a presunção das críticas dos Ramanandis. “Por que devemos estabelecer a legitimidade de nossa linhagem?”, ele exigiu. “O Senhor Supremo, Sri Krsna, apareceu como o Senhor Caitanya a fim de estabelecer a verdadeira religião para esta Era de Desavenças. Quando o próprio Deus origina uma tradição religiosa, quem ousaria questionar a legitimidade da mesma?”.



“Os Ramanandis questionam”, Visvanatha respondeu, “e eles fundamentam sua crítica na declaração do Padma Purana de que, nesta era, há quatro sampradayas, ou linhas de sucessão discipular. O Purana diz o seguinte”.



sri-brahma-rudra-sanaka
vaisnava-ksiti-pavanah
catvaras te kalau bhavya
hy utkale purusottama



“O significado é que as quatro sampradayas Vaisnavas – Sri, Brahma, Rudra e Kumara – purificam a Terra”.



“Sim”, respondeu Baladeva, “eu conheço o verso. E os Ramanandis dizem que as palavras utkale purusottama significam que essas quatro sampradayas têm seus monastérios na Orissa, em Purusottama-ksetra, a cidade de Jagannatha Puri”.



“Porém, o verdadeiro significado”, prosseguiu Baladeva, “é que o Senhor Supremo, Purusottama, é a quintessência dessas quatro sampradayas. E, quando Ele aparece em Kali-yuga, Ele vive em Jagannatha Puri, como Sri Caitanya Mahaprabhu. Desta maneira, a linhagem Gaudiya não é uma quinta sampradaya, mas a essência das quatro”.



Visvanatha e Baladeva passaram a noite discutindo os outros pontos de contenda dos Ramanandis em relação ao movimento do Senhor Caitanya. Eles desenvolveram a estratégia por meio da qual derrotariam os Ramanandis.



Visvanatha enviou Baladeva com Krsnadeva Sarvabhauma a Amber. A chegada de Baladeva lá foi inesperada. Ele era novo na comunidade Gaudiya, desconhecido mesmo entre os mahantas Gaudiyas de Amber. E ele era jovem. Ninguém, nem mesmo de sua própria tradição, suspeitava que um gigante filosófico vivia dentro da despretensiosa forma daquele santo Gaudiya de Vrndavana. Baladeva encontrou dificuldades para obter uma audiência com o rei. E, quando finalmente o conseguiu, os Ramanandis na corte estavam prontos para ele.



“Majestade”, Baladeva disse ao rei. “Estou aqui de modo a dar cabo das dúvidas atinentes à Gaudiya-sampradaya e seus métodos de adoração”.



“Vossa alteza”, um pandita Ramanandi tomou rapidamente a palavra, “solicitamos autorização para nos dirigirmos diretamente a ele!”.



Jai Singh voltou-se a Baladeva. “Vocês podem falar”, o rei disse, confiante de que, se Krsna era de fato o Senhor Supremo, Krsna providenciaria Sua própria defesa.



Os Ramanandis deram início com um ataque o qual eles acreditavam que certamente garantiria sua autoridade.



“O problema”, eles disseram a Baladeva, “é que você não pertence a uma sampradaya apropriada. Nós, portanto, não podemos aceitar a literatura escrita pelos seus panditas”.



“Eu sou da Madhva-sampradaya”, Baladeva declarou confiante.



“Fui iniciado em Mysore por um Tirtha da ordem Madhva. Todavia, Radhadamodara Gosvami e Visvanatha Cakravarti da Gaudiya-sampradaya também são meus gurus. Eles me ensinaram a filosofia Bhagavata”.



Os Ramanandis ficaram surpresos. A iniciação Madhva de Baladeva significava que eles teriam de aceitá-lo como um sannyasi e um pandita qualificado de uma linhagem autorizada. Eles tinham a esperança, contudo, de que sua pouca idade poderia indicar alguma carência de perícia. Eles se recompuseram. “Você talvez seja da Madhva-sampradaya, mas os outros Gaudiyas não o são!”.



Baladeva reteve sua dignidade e apresentou uma evidência-chave. “Este é o Gaura-ganoddesa-dipika, escrito por Kavi Karnapura há mais de cem anos. Este manuscrito detalha a nossa linhagem oriunda de Madhva”. Baladeva apresentou o manuscrito para inspeção.



Os Ramanandis novamente redarguiram: “Se os Gaudiyas clamam descenderem de Madhva, então vocês devem basear seus argumentos no comentário de Madhva ao Brahma-sutra. Sabemos que os Gaudiyas não têm nenhum comentário próprio”.



Baladeva pensou por um momento. Os Gaudiyas jamais haviam escrito um comentário ao Vedanta-sutra porque aceitavam o Srimad-Bhagavatam como o comentário natural. Vyasa é o autor de ambas as outras, e o Senhor Caitanya ensinou que, quando o autor comenta sua própria obra, sua opinião é a melhor.



Baladeva sabia que os Ramanandis rejeitariam esse argumento. Ele também sabia, entretanto, que, caso utilizasse o comentário de Madhva, ele teria dificuldades, dado que o comentário de Madhva não justificaria o estilo de adoração praticado pelos Gaudiyas. Baladeva, por conseguinte, decidiu que precisaria escrever pessoalmente um comentário Gaudiya. Este comentário deveria ser baseado no comentário de Madhva, mas poderia ter algumas diferenças admissíveis. “Mostrarei a vocês o nosso comentário”, Baladeva disse. “Por favor, permitam que eu o traga”.



“Perfeitamente, solicite então o envio do mesmo”, consentiu o porta-voz Ramanandi.



“Isso não será possível”, respondeu Baladeva. “Precisarei de alguns dias para escrevê-lo”.



Os Ramanandis ficaram atônitos. Seria Baladeva capaz de produzir um comentário dentro de poucos dias? Que audácia! Contudo, caso Baladeva pudesse realmente produzi-lo, a posição dos Ramanandis poderia ser ameaçada. Será que deveriam conceder-lhe o tempo por ele solicitado?



Antes que pudessem dizer algo, o rei Jai Singh se interpôs. “Sim, o tempo está concedido. Prepare o seu comentário e notifique-nos quando ele estiver pronto. Você precisa saber que, a não ser que apresente um comentário apropriado, aceitaremos as críticas dos Ramanandis como válidas. Eu, porém, não atenderei nenhuma exigência deles até que você tenha tido a oportunidade de apresentar seu comentário e seus argumentos”.


Govindaji Inspira Baladeva



Baladeva deixou a assembléia, seguido por Krsnadeva Sarvabhauma. Baladeva viu-se um títere nas mãos do Senhor. Ele havia falado destemidamente na assembléia, mas iria o Divino Titereiro guiar sua escrita?



Baladeva partiu para Govindapura. Colocando-se diante de Govinda, ele ajoelhou-se e orou. “Ó Govinda, Vosso devoto Visvanatha enviou-me aqui a fim de defender tanto Vós como Vossos devotos, mas não sou capaz de fazê-lo! Sou simplesmente uma alma caída em ignorância. Caso queirais, podeis dotar-me de poder para escrever um comentário ao Vedanta-sutra que Vos glorifique. Caso queirais, escreverei as verdades que aprendi com Vossos devotos e com Vossa escritura. E tenho fé de que, mediante a misericórdia que Vós podeis conceder, essas verdades se mostrarão absolutamente lógicas”.



Baladeva então começou a escrever. Fazendo raras pausas para descansar, ele escrevia, e orava, e então escrevia novamente. Dias se passaram, e noites, mas ele não parou. Alguns historiadores dizem que ele escreveu ao longo de um mês. Outros dizem que ele precisou de apenas sete dias.



Em todo caso, Baladeva logo retornou de Govindapura. Com o evento de sua chegada, intensa expectativa se fez presente em todos. Jai Singh, esperando ver os Gaudiyas vindicados, estava especialmente ansioso por ler o comentário. Os Ramanandis, por outro lado, aguardavam o comentário com certo temor, esperando que pudessem derrotá-lo prontamente.



Baladeva entrou na corte do debate convocado em Galta. Ele ficou de um lado com os mahantas Gaudiyas. Diante deles, estavam os panditas Ramanandis. O rei Jai Singh presidia o evento, e uma audiência de nobres e estudiosos formava a platéia.



Com a permissão do rei, Baladeva pôs-se de pé.



“Este comentário”, ele disse mostrando sua obra, “baseia-se no comentário de Madhva, mas há importantes referências. Caso seja examinado, constatar-se-á que ele defende a filosofia Gaudiya, ensinada pelo Senhor Caitanya”.



Um pandita Ramanandi caminhou até Baladeva e pegou o comentário.



“Quem é o autor desta obra?”, ele perguntou.



Baladeva respondeu: “O nome do comentário é Govinda-bhasya. Govinda inspirou essa obra. Eu forneci os significados diretos dos sutras de acordo com o desejo de Sri Caitanya Mahaprabhu. E meus comentários são baseados nos ensinamentos dos meus gurus”.



Os eruditos membros do contingente Ramanandi examinaram a primeira porção do bhasya de sorte a determinar se o mesmo era como declarado por Baladeva.



Um porta-voz admitiu: “A influência de Madhva é certamente demonstrável neste comentário, mas devemos examinar algumas das diferenças”.



Baladeva então abordou cada uma das objeções dos Ramanandis à adoração Gaudiya.



“Eu esclareço cada aspecto da prática Gaudiya no capítulo terceiro”, ele disse. “Uma vez que suas críticas referem-se ao nosso estilo de adoração, vocês deveriam consultar o capítulo terceiro a fim de verem como Vyasa, o autor do Vedanta-sutra, permite a nossa adoração”.



“Vocês objetam a nossa adoração de Radha com Govinda por meio do argumento artificial de que Eles não são casados. Nos versos de número quarenta a quarenta e dois, apresento a verdadeira posição de Radha em relação a Krsna. Radha é a energia interna de Krsna, e jamais é separada dEle. Sua relação pode ser parakiya ou svakiya, mas isso não afeta a eternidade de Sua união. A separação de Radha e Govinda efetuada por vocês é artificial e, portanto, ofensiva ao Senhor, o qual nutre profunda afeição por Sua energia feminina”.



“Vocês criticaram a nossa predileção por adorar apenas Krsna, negligenciando a adoração a Narayana, Visnu, o que, vocês dizem, é compulsório a todos os Vaisnavas. Abordo esse ponto em meus comentários ao verso quarenta e três. Segundo o Vedanta-sutra, Narayana pode ser adorado em qualquer uma de Suas formas, inclusive Krsna. Nenhuma injunção escritural proíbe a adoração de Govinda em exclusão a Narayana”.



Baladeva prosseguiu discursando enquanto os Ramanandis permaneciam parados e indefesos. Ele falou eloquente e exaustivamente. Uma refutação dos Ramanandis em momento algum se desenvolveu.



Ao fim da apresentação de Baladeva, o rei Jai Singh aguardou, ponderando acerca das evidências. O silêncio dos Ramanandis confirmou sua opinião pessoal.



Ele apresentou sua decisão em uma afirmativa breve, mas conclusiva: “A evidência advogando a favor da legitimidade Gaudiya é incontestável. De agora em diante, os Gaudiyas serão reconhecidos e respeitados como uma seita religiosa autorizada. Ordeno a reunião de Radha com Govinda”.



Os mahantas Gaudiyas em Amber, finalmente livres das condenações dos Ramanandis, celebraram o evento construindo um templo da vitória sobre a colina a contemplar do alto o vale Galta. A Deidade do templo foi apropriadamente chamada de Vijaya Gopala, “o Vitorioso Gopala”.


Aos Pés de Govinda



Baladeva retornou para Vrndavana, onde assumiu a liderança da comunidade Gaudiya. Ele continuou a escrever. Fiel a Jiva Gosvami e devotado ao Senhor Caitanya, ele produziu comentários aos dez principais Upanisads e a nove obras dos Gosvamis de Vrndavana. Ele também escreveu obras originais sobre gramática, drama, prosódia e poesia. Ele permaneceu a inquestionável autoridade em teologia Vaisnava até sua morte.



Com a vitória de Baladeva sobre os Ramanandis, Jai Singh ficou satisfeito. Ele havia encontrado a síntese das religiões Vaisnavas. E Radha havia sido reunida a Govinda no altar, como é na eternidade. Jai Singh dedicou-se a Govinda e viveu uma vida longa e produtiva como rei e estudioso.



Em 1714, Jai Singh mudou Govinda para os jardins Jai Nivasa e O instalou em um jardim doméstico, onde foi adorado por vinte e um anos. Em 1735, o rei construiu um templo para Govinda dentro do complexo do palácio em Jaipur. Jai Singh posteriormente instalou Govinda como o rei de Jaipur e aceitou para si a posição de ministro. Desde então, seu brasão real lê: sri govinda-deva carana savai jai singh sharana: “O Senhor Govinda, em cujos pés Jai Singh se refugia”.


Referências



Jiva Gosvami Tattvasandarbha, Stuart Mark Elkman (O comentário de Elkman inclui os comentários de Bhaktivinoda Thakura sobre Baladeva Vidyabhusana), Motilal Benarsidass, 1986.

Sri Sri Gaudiya Vaisnava Abhidana, Sri Haridas Das, Haribol Kutir, Sri Dhama Navadvipa, 1955.

History and Culture of the Indian People, Vol. VII, R. C. Majumdar e outros, Bharatiya Vidya Bhavan, Bombaim, 1974.

Mathura, A District Memoir, Frederick S. Growse, Oudh Government Press, Allahabad, 1883.

Literary Heritage of the Rulers of Amber and Jaipura, Gopal Narayana Bahura, City Palace Museum, Jaipura, 1976.

Jaipur City, A. K. Roy (editora e data desconhecidos).





Tradução de Bhagavan dasa (DvS) – Outras traduções, incluindo o comentário de Visvanatha Cakravarti ao Bhagavad-gita e o Gaura-ganoddesa-dipika, disponíveis em www.devocionais.xpg.com.br

domingo, 13 de junho de 2010

MEDICINA AYURVÉDICA PARA A MULHER de Atreya




MEDICINA AYURVÉDICA PARA A MULHER
de Atreya

Número de Páginas: 296

Ayurveda, o sistema médico mais antigo do mundo, sempre teve um ramo especial, somente para mulheres, que oferece uma compreensão singular da anatomia feminina - uma visão que abrange não apenas o corpo físico e energético, mas também as emoções, a mente e o espírito.

Escrito para mulheres que desejam encontrar soluções para seus próprios problemas de saúde, Medicina Ayurvédica para a Mulher aborda a ne­cessidade de tratar a raiz dos distúrbios femininos. Ele rejeita a noção de que o desconforto, a dor e as oscilações emocionais são normais na vida de uma mulher. Com este guia de autoajuda, você aprenderá como deli­near um plano de tratamento condizente com a sua constituição, que tem um caráter único - como usar mudanças na alimentação e suplementos de ervas para tratar a TPM, atenuar sintomas do climatério, prevenir a osteoporose e reverter muitos outros problemas de saúde. Este livro também apresenta uma seção dedicada a tratamentos, que detalha de­zenas de fórmulas ayurvédicas, baseadas em substâncias fitoterápicas.

Se você está procurando alternativas para a medicina ocidental e está preparada para tomar iniciativa em relação à sua própria saúde, esta obra é dirigida a você!


O autor

ATREYA começou a se interessar por metafísica e meditação aos 17 anos. Esteve na Índia durante seis anos, onde aprendeu Ayurveda, meditação, psicologia do yoga e cura prânica. Ele estudou, por vários anos, com o discípulo de Sri Ramana Maharishi, Sri H.W.L. Poonja, e essa experiência transformou completamente sua abordagem das artes da cura. Atreya nasceu no sul da Califórnia. Ele viveu na Índia e atualmente reside na França, onde pratica a cura ayurvédica e prânica. Ele é autor de Os Segredos da Massagem Ayurvédica, publicado pela Editora Pensamento.

UM LANÇAMENTO





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quinta-feira, 10 de junho de 2010

Baladeva Vidyabhusana, o Vedantista Gaudiya




parte 1 de 2 Baladeva Vidyabhusana, The Gaudiya Vedantist Dayananda dasa e Nandarani devi dasi

Suas vozes nasceram juntamente com o sol. Era cedo pela manhã em uma escola de uma vila indiana. Os garotos encontravam-se sentados em impecáveis fileiras atrás de manuscritos de folha de palmeira. Enquanto cantavam suas regras gramaticais, lições de retórica e aforismos lógicos a fim de memorizá-los, cada garoto cantava alto o suficiente para ouvir sua voz sobre a voz do garoto ao lado, o que resultava em um confuso misturar de vozes estridentes.

Esta escola, na qual estudou Baladeva no começo do século XVIII, muito assemelhava-se a escolas rurais que existiram na Índia por milhares de anos. O sistema perdurou porque era efetivo, produzindo eruditos brilhantes e disciplinados, e Baladeva estava entre os melhores deles.

Antes de ir para a escola, Baladeva, o filho de um mercador, viveu por muitos anos próximo à cidade Remuna, Orissa. De lá, ele foi estudar com o grupo de panditas na escola mencionada, que se situa idilicamente às margens do rio Chilkahrada. Os viçosos campos e florestas oriás providenciavam fartamente frutas, legumes e grãos para uma dieta completa e variada. Os garotos estudavam muito, brincavam muito, e cresciam confiantes, saudáveis e com boa discriminação.

Quando os estudos de Baladeva na escola chegaram ao fim, ele não quis retornar para casa e trabalhar no mercado de seu pai. Ele queria ser um estudioso – não um estudioso ordinário, mas um verdadeiro acarya, alguém que pode ensinar sabedoria divina. Um pandita precisa dominar lógica, filosofia, medicina ou cosmologia, mas um acarya precisa saber as escrituras que transmitem a sabedoria mais profunda. Baladeva decidiu estudar filosofia e teologia. Ele se tornaria um Vedantista, uma autoridade nos milenares livros Védicos de conhecimento. Ele não conseguia pensar em nenhuma outra maneira mais grandiosa pela qual poderia beneficiar a si mesmo ou os demais.

Em busca de um preceptor, Baladeva saiu em peregrinação pelos tirthas, locais sagrados, onde se encontrou com monges e eruditos. Em Mysore (atual Karnataka), sudoeste da Índia, ele chegou a um eremitério de homens santos que também se chamavam Tirthas, seguidores do santo e estudioso Ananda Tirtha (1197-1273 d.C.), conhecido no passado como Madhva Acarya. No monastério, ou matha, Baladeva estudou o Vedanta e dominou as artes do debate e da retórica. Esses talentos ser-lhe-iam de grande utilidade em um desafio que ele teria de enfrentar no futuro, quando ainda muito jovem.

O desafio com que Baladeva se depararia é de suma importância na história do Vaisnavismo Gaudiya, a escola espiritual à qual a ISKCON, o moderno movimento Hare Krsna, pertence.

Os Gaudiyas em Vrndavana

À época de Baladeva, os Vaisnavas Gaudiyas, ou seguidores do Senhor Caitanya Mahaprabhu, estavam bem estabelecidos em Vrndavana, a cidade da Índia setentrional onde o Senhor Krsna atuara Seus passatempos infantis cerca de cinco mil anos atrás. A vida naquela região, entretanto, era frequentemente insegura. Por milhares de anos, o distrito de Vrndavana-Mathura foi periodicamente invadido e saqueado. Contudo, a despeito dessas calamidades, Mathura sempre floresceu como um centro de comércio e cultura. Toda religião antiga do norte da Índia considerava Mathura uma cidade importante.

Em 1512, o Senhor Caitanya chegou a Mathura. Ele viu que os locais onde Krsna havia desfrutado Seus passatempos estavam então obscurecidos, em virtude do que passou dois meses localizando e identificando-os. Desejoso de reconstruir Vrndavana e rededicá-la a Krsna, Ele enviou Rupa Gosvami e Sanatana Gosvami, dois de Seus principais discípulos, para a cidade sagrada.

Rupa Gosvami e Sanatana Gosvami desempenharam com sucesso a missão do Senhor Caitanya em Vrndavana. Eles não apenas reconstruíram os locais sagrados da vida de Krsna, mas também escreveram livros que apresentavam a doutrina do Senhor Caitanya de uma maneira apropriada tanto para estudiosos quanto para leigos. Srila Jiva Gosvami, sobrinho e discípulo deles, continuou a obra. Ele supervisionou a construção de templos magníficos para a adoração de Krsna, escreveu exaustivos tratados filosóficos sobre a filosofia da consciência de Krsna, e distribuiu os manuscritos religiosos dos Gosvamis de Vrndavana ao longo do mundo Vaisnava. Em grande parte devido aos esforços de Jiva Gosvami, os Gaudiyas Vaisnavas foram exitosos no estabelecimento de Vrndavana como o principal local do Vaisnavismo no norte da Índia.

Vrndavana sempre foi uma terra sagrada de peregrinação, mas, sob o patronato Gaudiya, vicejou como um poderoso centro religioso por 150 anos. Templos e gurus Gaudiyas eram dominantes em Vrndavana, mesmo quando da chegada de Baladeva no começo do século XVIII.

Govinda Deixa Vrndavana

Infelizmente, a pacífica liderança dos Gaudiyas não pôde prosseguir. Em 1669, o soberano mongol Aurangzeb decretou que os templos e esculturas, ou Deidades, hindus deveriam ser destruídos. As Deidades, sacerdotes e peregrinos estavam em perigo, e os fiéis devotos de Krsna pararam de visitar Vrndavana. Muitos daqueles que tiveram coragem de expressar sua fé foram açoitados ou mortos.

Subseqüentemente, os sacerdotes Vaisnavas apelaram às dinastias hindus do Rajastão por proteção para si mesmos e para as suas Deidades. A proteção foi concedida, e gradualmente as Deidades migraram para o leste, de modo a estabelecerem-Se em Mewar e em Amber, a antiga capital Jaipur. Todavia, sem Deidades, brahmanas e peregrinos, Vrndavana-Mathura perdeu muito de sua glória.

Uma das principais Deidades de Vrndavana era Govinda, uma imagem de mármore negro de sessenta centímetros de Krsna em Seu aspecto original como um vaqueirinho. Srila Rupa Gosvami O encontrou enquanto escavava os locais sagrados de Vrndavana. Posteriormente, informados de que o exército de Aurangzeb buscaria destruir o esplêndido templo de sete andares de Govinda, os sacerdotes secretamente mudaram a Deidade para o Radha-kunda, um lago sagrado amplamente conhecido como um dos locais mais sagrados no distrito de Mathura.

Transcorrido um ano no Radha-kunda, os sacerdotes transferiram seu refúgio divino para Kaman, uma cidade fortificada no distrito de Mathura, onde um complexo apropriado poderia ser construído para Govinda. Por mais de trinta anos, Ele e duas outras Deidades, Gopinatha e Madana-mohana, permaneceram em Kaman. A maior parte dos peregrinos, no entanto, evitavam os regentes mongóis e um clã de pessoas locais chamadas jats, as quais se ergueram contra os mongóis.

Os reis rajputs de Amber viram-se no pivô do conflito entre os mongóis e as guerrilhas jats. Os reis aliaram-se aos mongóis contra os jats, mas patrocinavam as Deidades de Vrndavana, as quais os mongóis queriam destruir.

Ram Singh, o rei de Amber, ordenara em 1671 que Govinda fosse transferido para Kaman, que estava então sob a jurisdição de Amber e Jaipur, embora se situasse no distrito de Mathura. É dito que a transferência fora intencionada como temporária: as Deidades retornaria a Vrndavana quando a agitação política se amainasse. Govinda, todavia, não retornou a Vrndavana. Após trinta e três anos em Kaman, Ele fez outra viagem, desta vez para Amber.

Pouco tempo após o falecimento de Ram Singh, seu filho, Visnu Singh, acompanhou-o para a vida pós morte. Agora, sentou-se no trono de Amber um rei infante, um precoce rei de onze anos de nome Jai Singh, que havia sido condecorado na corte mongol em Agra com a idade de sete anos. Sob o reinado de Jai Singh, Govinda foi transferido em 1707 para a vila chamada Govinda-pura, imediatamente fora de Amber.

O Desafio dos Ramanandis

O novo lar de Govinda tinha pouco em comum com a floresta de Vrndavana, onde vivera formidavelmente. Em Vrndavana, um local sagrado Vaisnava, Govinda era irrivalizavelmente o Senhor Supremo. Seu sacerdote, que vinha na linha direta de Rupa Gosvami, o reconhecido líder dos Vaisnavas em Vrndavana, desfrutava de irrivalizada autoridade no concernente a questões sobre a filosofia e a prática de bhakti, o serviço devocional a Krsna.

Em Amber, contudo, nem todos os Vaisnavas adoravam Krsna. Durante o reino de Prithviraj Singh (1503-1527), um devoto do Senhor Ramacandra chamado Payahari Krsnadasa havia se instalado em Galta, um vale próximo à atual cidade de Jaipur. Payahari foi um discípulo-neto de Ramananda, o reformador do século XIV da sampradaya (linhagem) Vaisnava do sul da Índia de Ramanuja. Payahari adorava Sita-Rama, não Radha-Krsna.

Payahari havia se instalado em uma caverna no vale Galta. Ele converteu a rainha Balan Balai ao Vaisnavismo Ramanandi, e ela, por sua vez, convenceu seu esposo santo, o rei Prithviraj, a patrocinar o estabelecimento de um monastério Ramanandi em Galta. Depois disso, Galta tornou-se a sede setentrional da seita Ramanuja.

Por seis gerações, os mahantas (líderes dos templos) Ramanandis gozaram de uma privilegiada posição no reino Amber. Porém, com a chegada de Govinda em Amber e Sua popularidade com a família real, a hegemonia Ramanandi viu-se ameaçada.

Para Jai Singh, a chegada de Govinda foi especialmente significativa. Apesar da presença de muitas seitas hindus em seu reino, apesar de suas próprias obrigações reais de manter sacrifícios ritualísticos Védicos e Purânicos, e apesar da inquestionável autoridade dos sacerdotes Ramanandis, Jai Singh era, acima de tudo, devoto de Govinda. A chegada de Govinda ao seu reino foi um ponto alto em sua busca espiritual pessoal.

Os sacerdotes Ramanandis logo se deram conta de que, caso Govinda Se tornasse a Deidade favorita do rei, os sacerdotes Gaudiyas assumiriam a autoridade religiosa em Amber. O que seria da ascendência dos Ramanandis?

Os Ramanandis aproximaram-se então de Jai Singh com uma queixa contra os Gaudiyas. Eles questionaram a linhagem Gaudiya. Na Índia, muito se preza o parentesco. Caso um indivíduo não possa provar sua legitimidade natal, ele talvez seja rejeitado como um bastardo. O mesmo padrão social se aplica a organizações religiosas. Se um grupo religioso não pode provar sua descendência a partir de uma das tradições reconhecidas, tal grupo corre o risco de ser rejeitado como ilegítimo.

Jai Singh escreveu ao mahanta do templo de Gopinatha, Syamcaran Sarma, solicitando-lhe que esclarecesse a questão explicando a linhagem dos devotos Gaudiyas. Syamcaran respondeu com uma carta em sânscrito, citando várias escrituras e outras autoridades. Ele explicou que a linhagem Gaudiya tivera início com o Senhor Caitanya, que era o Senhor Supremo. Uma linhagem espiritual originária de Deus é, afinal, irrefutável.

Previsivelmente, os Ramanandis não ficaram satisfeitos. Eles disseram: “Há apenas quatro sampradayas, não cinco. Os estudiosos estabeleceram isso com base no Padma Purana”.

É neste ponto que a nossa história nos leva de volta a Baladeva.

A Formação de Baladeva

Antes de os Ramanandis queixarem-se em Amber, o jovem Baladeva, vivendo em Mysore, recebera instrução no Vedanta-sutra com os seguidores do grande vedantista Madhva Acarya.

A palavra vedanta consiste em duas palavras: veda, “conhecimento”; e anta, “fim”. Desta maneira, Vedanta é a culminação do conhecimento Védico. Os Vedas são os mais antigos dos escritos sânscritos tradicionais compilados por Srila Vyasadeva. Vyasadeva posteriormente compôs o Vedanta-sutra, que contém em formato conciso a essência dos Upanisads (os hinos filosóficos dos Vedas). Porque o Vedanta-sutra é escrito em aforismos, é necessário um comentário para compreendê-lo. O mais antigo e mais famosos comentário ainda existente é o comentário de Sankara Acarya (788-820 d.C.).

Sankara foi monista; ele acreditava na unidade última entre a jiva (o ser vivo) e Deus, e ele interpretou o Vedanta-sutra de acordo. Após Sankara, quatro Vaisnavas instruídos apresentaram-se no curso de muitas centenas de anos para escreverem comentários ao Vedanta-sutra. Esses Vaisnavas escreveram de forma a estabelecer a dualidade entre a jiva e Deus, e, deste modo, refutar o ensinamento monista de Sankara.

Esses quatro preceptores Vaisnavas – Sri Ramanuja Acarya, Sri Nimbarka, Sri Madhva Acarya e Sri Visnusvami – estabeleceram as quatro sampradayas Vaisnavas reconhecidas. Subsequentes líderes religiosos Vaisnavas pertenciam a uma dessas sampradayas e eram, destarte, considerados legítimos. Ramananda alegou que sua linhagem era oriunda de Ramanuja.

Relembramos mais uma vez que Baladeva, em Mysore, havia permanecido na matha da Madhva-sampradaya e estudado o comentário Vedanta-sutra de Madhva.

Ele havia desfrutado de sua educação, mas ele desfrutava ainda mais da aplicação de seu aprendizado. Ele divertia-se em debates; nenhum desafiador era bom demais para ele. E ele estava sempre ávido pela oportunidade de esclarecer outros. Agora, após se tornar um palestrante e debatedor perito, Baladeva deixou Mysore e partiu com destino a Puri, na Orissa, onde novamente passou a residir em uma matha Madhva.

Em Puri, Baladeva encontrou-se com Radhadamodara dasa, um brahmana de Kanyakubja (atual Kanpur), no centro da Índia setentrional. Radhadamodara era discípulo-neto de Rasikananda, um pregador do século XVII que estabeleceu o movimento Gaudiya ao longo da Orissa. Radhadamodara, um erudito na filosofia Gaudiya, explicou a Baladeva a posição do Senhor Caitanya, apoiando seus pontos com citações do Mahabharata e do Srimad-Bhagavatam.

Radhadamodara disse: “Sri Krsna Caitanya é o próprio Senhor Supremo. Ele veio a fim de inundar o mundo com krsna-prema, amor por Krsna. Sri Caitanya não estava interessado no estudo de muitos comentários ao Vedanta-sutra, pois Ele considerava o Srimad-Bhagavatam, escrito pelo mesmo autor – Vyasa – como sendo o comentário natural. Assim, a partir do Bhagavata e por meio de Seu próprio exemplo, Ele ensinou que devemos servir o Senhor Supremo, Krsna, e absorvermo-nos na audição sobre Ele e na glorificação a Ele. O próprio Sri Caitanya estava sempre absorto em krsna-prema. Ele, desta forma, não viu necessidade alguma de escrever algum livro”.

Radhadamodara aconselhou Baladeva a estudar o Bhagavata-sandarbha, de Srila Jiva Gosvami. Por dias, Radhadamodara e Baladeva se reuniram e discutiram a obra de Jiva. Baladeva notou que Jiva não era significativamente diferente de Madhva. Com efeito, as filosofias de Jiva e Madhva concordavam nos pontos mais essenciais. Ainda assim, o tratado de Jiva desenvolvia a filosofia Vaisnava de uma maneira elegante e lógica que impressionou Baladeva profundamente.

Agora convencido de que a perspectiva Gaudiya era verdadeira, Baladeva pediu a Radhadamodara que o iniciasse na Gaudiya-sampradaya. Baladeva, no entanto, já era um Vaisnava iniciado, devido ao que Radhadamodara não realizou uma iniciação formal, mas uma cerimônia na qual Baladeva concordou em aceitar e servir Sri Caitanya Mahaprabhu como o Senhor Supremo. Assim, Baladeva tornou-se membro da sampradaya Gaudiya.

Dominando a Filosofia Gaudiya

Baladeva então decidiu viajar para Vrndavana, o centro espiritual da seita Gaudiya. Primeiramente, entretanto, ele foi a Navadvipa, onde se encontrou com os Vaisnavas de lá e com eles discutiu filosofia. Todos eles disseram-lhe que estudasse com Visvanatha Cakravarti Thakura em Vrndavana. Porque Baladeva ficou muito ávido por encontrar-se com Visvanatha, ele permaneceu apenas um curto período de tempo em Navadvipa antes de dar início à viagem de quase mil quilômetros e meio que faria a pé até Vrndavana.

Ao chegar em Vrndavana, Baladeva logo encontrou-se com Visvanatha Cakravarti, apresentou-se, e explicou sua trajetória e a história de seu encontro com Radhadamodara em Puri. Visvanatha ficou agradado com o fato de Baladeva ter-lhe buscado para estudar o Srimad-Bhagavatam, e sugeriu um dia apropriado para começarem seus estudos. Ele também decidiu que Baladeva deveria estudar os rasa-sastras, obras de devoção avançada, com outro estudioso, Pitambara dasa.

O apetite de Baladeva foi aguçado lendo o Bhagavata-sandarbha de Jiva Gosvami em Puri. Com Pitambara, Baladeva aprendeu o significado esotérico da filosofia bhagavata, como apresentado nos rasa-sastras. Ele então estudou o Caitanya-caritamrta, a biografia do Senhor Caitanya composta por Krsnadasa Kaviraja Gosvami. O Caitanya-caritamrta é uma obra avançada, destinada àqueles que estudaram completamente as outras escrituras Vaisnavas. Completando seu estudo desta obra culminante, Baladeva qualificou-se para um futuro brilhante como um estudioso Gaudiya.

Enquanto isso, em Ambes, os Ramanandis continuavam promovendo sua guerra ideológica contra os Gaudiyas. Os Ramanandis não aceitaram a resposta que os mahantas Gaudiyas haviam dado ao rei Jai Singh – de que Sri Caitanya Mahaprabhu era o próprio Senhor Supremo e que Sua sampradaya situava-se, por conseguinte, acima de qualquer dúvida. Os Ramanandis insistiram no princípio de sampradaya catvarah, “existem apenas quatro sampradayas”, indicando, naturalmente, que os Gaudiyas se constituíam de uma quinta e desautorizada linhagem.

Continua... Tradução de Bhagavan dasa (DvS) – Outras traduções disponíveis em www.devocionais.xpg.com.br

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Quando Deus Advém



When God Descends



Sua Graça Ravindra Svarupa dasa

Por todo o mundo, encontramos o tipo de literatura que chamamos de escritura. Essas obras contam-nos um tipo particular de história. Elas contam aquelas ocasiões extraordinárias em que o divino penetrou o nosso mundo, e os nossos pequenos espaço e tempo abrigaram, por um tempo, o eterno e infinito. As testemunhas dessas incursões, completamente mudadas pelo que viram, vêem-se compelidas a derramar sobre os ouvidos indiferentes e descrentes do mundo suas narrativas singulares e poderosas. E simplesmente porque essas testemunhas foram tão mudadas, outros ouviram e também mudaram.



A partir desses relatos escriturais, vemos que o divino advém de várias maneiras. No Pentateuco, por exemplo, Deus entremete-Se em nosso mundo basicamente por meio de atos maravilhosos de poder divino: Ele infesta os egípcios com sapos e moscas, piolhos e gafanhotos, transforma seu rio em sangue, e ceifa a vida de seus primogênitos. Ele liberta Seu povo abrindo o Mar Vermelho, e apresenta diante deles uma nuvem de fumaça durante o dia e um pilar de fogo durante a noite como faróis a guiarem-nos através do deserto.



Ocasionalmente, Deus coloca-Se especialmente perto, embora permaneça, mesmo então, como uma presença estupenda e incompreensível bem atrás do véu fenomênico. Sua proximidade faz com que a natureza ferva e exploda; parece que, a qualquer momento, Ele possivelmente estourará através da fina cortina da natureza e emergirá inteiramente sobre o palco – mas Ele nunca o faz. Quando Deus pela primeira vez colocou-Se perante Moisés, um arbusto queima furiosamente e não é consumido, enquanto que Moisés temerosamente evita fixar seu olhar sobre o mesmo. Quando o Senhor advém sobre o topo do Monte Sinai, a ladeira treme, e uma densa nuvem, matizada de fogo, perturba e troveja em torno do pico oculto. Moisés some para dentro da nuvem a fim de parlamentar demoradamente com Deus. Em seguida, ele relata ter tido apenas o mais fugidio relance das costas do Senhor indo embora, sem jamais ter visto Seu rosto.



Outro celebrado ingresso do divino em nosso mundo é ainda mais severamente restrito: Maomé, filho de Abdullah, meditando durante o calor do Ramadã no monte Hira, fora de Meca, ouve o comando de uma voz magnífica: "Lê!". "Não sei ler", vem sua aterrorizada resposta. Novamente: "Lê!". A mesma resposta mais uma vez. A voz, ainda mais terrível, comanda uma terceira vez: "Lê!". Maomé responde: "O que devo ler?". A voz diz:



Lê: Em nome do teu Senhor que criou. Criou o homem a partir de um coágulo. Lê: É teu Senhor o mais bondoso, aquele que ensinou pelo cálamo, ensinou o homem aquilo que ele não sabia.



Desta maneira, a primeira de muitas de tais "leituras" torna-se manifesta na Terra. Juntas, elas constituem o Qur'an (Corão), entregue a Maomé, o mensageiro de Deus, por Gabriel, o emissário de Deus, “que permanecia suspenso entre o céu e a terra, que abordou e chegou tão perto quanto a medida de dois arcos, ou até mesmo mais perto”. Seus encontros formam o conduto através do qual o incriado Qur'an, “preservado eternamente na tábua do céu”, advém à Terra. Neste caso, Deus não entra em nosso reino mundano em pessoa, mas vem na forma de Sua palavra transcendental que torna manifesta a Sua vontade.



Aqui, a palavra de Deus advém ao mundo. O Novo Testamento, entretanto, fala sobre um advento em que "a Palavra se fez carne". A natureza divina se corporifica na pessoa humana de Jesus Cristo, o Filho de Deus. Jesus declara: "Eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade dAquele que me enviou", e confessa: "De maneira autônoma, nada posso fazer". Deste modo, Jesus revela-se um servo eterno de Deus, dizendo: "meu Pai é maior do que eu". Porém, porque é rendido a Deus sem reservas, Deus torna-Se manifesto nele para nós: “As palavras que eu vos digo não as digo eu mesmo, mas o Pai, que está em mim, é quem faz as obras. Acreditai em mim que eu estou no Pai e que o Pai está em mim”. A pessoa de Jesus, por conseguinte, é, em si mesma, a revelação de Deus: “Aquele que viu a mim viu o Pai”, pois “eu e o Pai somos um”.



Porque diferentes escrituras reportam adventos divinos tão vastamente diferentes e conduzem-nos à rendição a Deus sob diferentes nomes - Jeová, Alá, Jesus e assim por diante - e porque os seguidores de uma escritura tendem a condenar os seguidores de todas as outras como infiéis ou pagãos ou hereges, muitas pessoas ficam perplexas ou desgostosas. A religião, desta forma, fica mal tida pelas pessoas em geral. As pessoas se perguntam: "Se há um Deus, por que Ele deveria Se manifestar de diferentes maneiras e fornecer diferentes instruções?".



Há uma resposta a essa pergunta em uma outra escritura, o Bhagavad-gita. Esta canção (gita) foi cantada por Deus (bhagavan) durante Seu advento à Terra cinco milênios atrás. O Senhor - conhecido como Krsna, "o todo-atrativo" - dirige-Se ao Seu amigo e discípulo Arjuna: "Da maneira com que todos Se rendem a Mim, Eu os recompenso de acordo. Todos seguem o Meu caminho sob todos os aspectos, ó filho de Prtha" (Bg. 4.11).



Considerado como uma resposta ao problema da diversidade religiosa, esta declaração judiciosamente nos conduz entre extremos. Ela evita, de um lado, aquelas formas de sectarismo que concedem a uma tradição religiosa em particular direitos autorais exclusivos sobre Deus: "Todos seguem o Meu caminho sob todos os aspectos". Por outro lado, rejeita o sentimentalismo que endossa, sem nenhum senso crítico, toda e qualquer forma de espiritualidade. Krsna, na verdade, oferece um princípio mediante o qual podemos discriminar entre eles: "Da maneira com que todos Se rendem a Mim, Eu os recompenso de acordo".



A palavra sânscrita traduzida aqui como "recompenso" - bhajami - é rica em significado. Ela é formada a partir de uma palavra que significa fundamentalmente "distribuir", "compartilhar com". Mais frequentemente, contudo, significa "servir com amor", ou, em um sentido mais vago, "adorar". Vemos, assim, que Krsna está estabelecendo um princípio de reciprocação. Deus reciproca conosco justamente distribuindo-Se - revelando-Se - a nós proporcionalmente ao nível em que nos rendemos a Ele.



A "recompensa" de Deus, portanto, pode ser qualquer uma de uma hierarquia de respostas ao longo do caminho progressivo do serviço divino. Na parte mais baixa desse caminho, por exemplo, uma pessoa pode servir fielmente Deus em prol do logramento de bênçãos materiais. Deus reciproca outorgando-lhe o desejo. Embora o adorador desfrute apenas de um benefício material e temporário (não espiritual e eterno), ele aceita sua recompensa como reciprocação divina - para ele, trata-se de uma revelação de Deus - e sua fé reforçada o mantém no caminho da devoção. No que diz respeito àqueles devotos avançados que não desejam nada material ou espiritual em troca de seu serviço oferecido de todo coração, Krsna os recompensa de forma diferente: Ele Se revela inteiramente, e, em uma troca doce e íntima, serve os devotos tal qual os devotos O servem.



Deus declara: “Todos seguem o Meu caminho”. Como há um Deus, há uma religião: o serviço devocional a Deus em completa rendição. Não devemos ser desorientados por designações sectárias. Embora “Islã”, por exemplo, seja uma palavra utilizada para denotar uma comunidade sectária ou sua fé, o termo al islã em si não é exclusivo ou particular, senão que significa simplesmente “a submissão”, ou “a rendição”. Essa religião única, verdadeira, essencial e universal também é seguramente indicada por Jesus. Quando solicitado a citar o mais grandioso mandamento da lei, ele respondeu, citando o Pentateuco: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de toda a tua mente”.



O Senhor Krsna, de modo similar, aponta a religião essencial ao fim do Bhagavad-gita. Tendo examinado muitos processos espirituais – trabalho piedoso, rituais religiosos, meditação ióguica, adoração de semideuses, discriminação filosófica entre matéria e espírito – e tendo mostrado que eles nada são além de vários degraus no caminho até a completa devoção a Deus, Krsna convida-nos conclusivamente a irmos diretamente a esse ponto. “Abandona todas as variedades de religião”, Ele incita Arjuna, “e simplesmente rende-te a Mim” (Bg. 18.66).



Todavia, porque somos, em vários níveis, resistentes ao chamado divino de completa rendição, Deus permite o nosso avanço gradual, instruindo-nos e revelando-Se na extensão de nossa disposição de serviço ou – a mesma coisa – na extensão em que nossa pureza espiritual permite. Assim, o elemento da relatividade adentra a interação divino/humano de maneira a fazer surgir as variedades de religião. Em todo caso, entretanto, o fundador da religião é Deus e ninguém mais. Como o Srimad-Bhagavatam (uma escritura sobre a qual consideraremos adiante) nos diz, dharmam tu saksad bhagavat-pranitam (Bhag. 6.3.19): “O caminho da religião é estabelecido diretamente pelo próprio Senhor Supremo”.



Para esse propósito, Deus advém muitas vezes. Krsna anuncia o princípio geral governando Sua entrada neste mundo: “Quando e onde quer que haja um declínio na prática religiosa e um crescimento predominante de irreligião – nesse momento, Eu advenho. Para libertar os piedosos e aniquilar os descrentes, bem como para restabelecer os princípios da religião, Eu mesmo apareço, milênio após milênio” (Bg. 4.7-8).



Nenhum tempo e nenhum lugar tem monopólio sobre a auto-revelação de Deus. Deus vem quando Ele é necessário, sempre com a mesma missão: reparar e restaurar o caminho da religião devastado pelo tempo, coberto de matagal e corroído por negligência e abuso. Desta maneira, o Senhor não apenas estabelece a religião na Terra, senão que retorna repetidamente como o incessante mantenedor da mesma.



Dessarte, não precisamos nos alarmar diante do número e da variedade de aparecimentos de Deus relatados nas escrituras reveladas do mundo. Respondendo gratamente à bondade divina, devemos aspirar a uma perspectiva inclusiva e aberta, compreendendo cada advento particular de Deus de acordo com o princípio de que a revelação é reciprocada pela rendição.



Podemos buscar ajuda para essa diligência no Srimad-Bhagavatam. Tanto o Bhagavad-gita quanto o Srimad-Bhagavatam foram revelados à Terra no período do advento de Krsna cinco mil anos atrás, e, juntos, possuem uma posição distinta na vasta biblioteca indiana de sabedoria espiritual, a literatura Védica. O Srimad-Bhagavatam, “a escritura pós-graduada”, transmite a última palavra em conhecimento Védico, e o Bhagavad-gita transmite especificamente as instruções a qualificarem o indivíduo para abordar o Srimad-Bhagavatam.



A literatura Védica, em sua catolicidade, provê algo para o avanço de todos no caminho espiritual. O Srimad-Bhagavatam compara os Vedas a uma “árvore-dos-desejos” – a árvore celeste cujos ramos produzem toda variedade de frutas. Quando, com o tempo, os seguidores dos Vedas tornaram-se confusos por esta diversidade e perderam de vista o verdadeiro propósito do ensinamento Védico, o autor dos Vedas – o próprio Deus – adveio e entregou o Seu Gita. Ali, como mencionado, Ele revê todas as práticas Védicas e, com Sua autoridade, restabelece a conclusão Védica final: “Abandona todas as variedades de ‘religião’ e simplesmente rende-te a Mim”.



Tendo aceito esta instrução, estamos aptos para o Srimad-Bhagavatam, como o prelúdio de tal obra indica: “Rejeitando completamente todas as atividades religiosas motivadas por desejos materiais, este Srimad-Bhagavatam propõe a verdade mais elevada, que é compreensível por aqueles devotos que são completamente puros de coração” (1.1.2). O Srimad-Bhagavatam é, por conseguinte, “o fruto maduro da árvore-dos-desejos dos Vedas” (1.1.3).



Srimad significa “belo”, “esplêndido” ou “ilustre”, e Bhagavatam significa “vindo de Deus ou relacionado a Deus”. Este “Belo Livro de Deus” é uma compilação enciclopédica dos admiráveis feitos de Deus enquanto Se divertia na Terra em numerosas aventuras. Seus passatempos – atestando plenamente Sua inexaurível faculdade inventiva, Sua completa exuberância – desvelam perante nossos maravilhados olhos panoramas arrebatadores da divindade a brincar. Tendo saboreado essa fruta madura da árvore Védica da sabedoria, o indivíduo contrai a ânsia de atirar-se diante daquelas pessoas de alma estéril que, na aridez de seu entendimento pessoal, perderam todo gosto por Deus, e implora: “Lê este belo livro!”.



“Por favor, lê este belíssimo livro!”. Aqueles confortáveis com uma idéia mais constringida de Deus talvez se choquem ou se surpreendam ante o grande número e a grande variedade de aparecimentos de Deus. Em um dos capítulos do começo do Bhagavatam, o santo Suta Gosvami, falando perante uma audiência de sábios, lista vinte e duas encarnações (tanto do passado como do futuro) e faz uma observação: “Ó brahmanas, as encarnações do Senhor são inumeráveis, como regatos fluindo a partir de inesgotáveis fontes de água” (1.3.26). Um capítulo mais adiante (2.7), “Encarnações Anunciadas com Funções Específicas”, contém um compêndio ainda mais extenso. O Srimad-Bhagavatam é, em grande medida, devotado a detalhadas exposições dessas encarnações, uma após a outra, conduzindo e preparando o leitor para a narração última, aquela dos passatempos do próprio Krsna.



Assim, encontramos Deus em muitas formas. Ele advém, por exemplo, como Matsya, o leviatã que salvou os Vedas do dilúvio mesmo enquanto Se divertia nas vastas águas; advém como Varaha, o javali que ergueu do abismo a Terra caída e aniquilou em um único combate aquele que a violava; advém como o sábio Narada, o eterno viajante espacial que migra de planeta a planeta ao longo do universo pregando e cantando as glórias do Senhor; advém como Nrsimha, o prodigioso homem-leão que, em uma estupenda epifania de poder, socorreu Seu devoto, um menino de seis anos, matando – de maneira espetacular – seu torturador, um tirano ateísta interplanetário que era o próprio pai do garoto; advém como Vamana, o belo anão que atravessou todo o universo com três longos passos; advém como Parasurama, aquele que porta um machado e que puniu vinte e uma gerações de homens da realeza por desviarem-se dos princípios de conduta divina; advém como o Senhor Ramacandra, o exemplar regente divino, rei perfeito e a personificação da moralidade em ofício; e advém como muitas outras personalidades insignes e inesquecíveis que apareceram a fim de ensinar, proteger, liderar e inspirar a humanidade.



Tudo isto ser muitíssimo incrível conduz à incredulidade. Todavia, consideremos: Deus não é, por definição, o ser mais incrível de todos? Assim sendo, o nosso princípio deve ser: quanto mais incrível o relato, mais aberto devemos estar a ele. Por que exigir que Deus Se reduza de sorte a adequar-Se à nossa compreensão prosaica? Quanto mais incrível Ele for, mais divino Ele é.



Podemos detectar um elemento inconfundível de brincadeira em muitos adventos divinos, e isso talvez também cause dúvidas. Isso, porém, seria outro caso no qual insensatamente impomos restrições a Deus. Deus é brincalhão: o termo sânscrito para atividade divina é, na verdade, lila – brincar ou divertir-se. Mediante Seu poder inconcebível, Deus une perfeitamente em Seus adventos um propósito muito sério, salvar a humanidade, com grande diversão. Destarte, como Matsya, Ele retouça nas ondas do dilúvio; como Varaha, desfruta de uma boa luta. Em todos os adventos, nós O vemos deleitando-Se no aproveitamento das possibilidades de um papel em particular, um ator no palco.



A idéia de lila captura um elemento definidor da atividade divina: ela é imotivada. Todos os atos humanos originam-se de motivos, do desejo de termos o que nos falta ou do medo de um dia faltar-nos. Deus, entretanto, já tem tudo. Ele nada tem a ganhar ou a perder. O que existe, portanto, a impeli-lO à ação?



“Nada”, dizem muitos especuladores. E eles concluem que Deus é estático, inerte. Caso isto fosse verdade, Deus seria, na verdade, depauperado. Ao contrário, Deus é completo, e Ele age exatamente em Sua completude: Ele brinca. A nossa noção de brincar transmite parcialmente o espírito correto: fazer algo sem nenhum outro motivo além da própria diversão do fazer, pelo júbilo da ação por si mesmo. A lila divina, portanto: Deus age por pura e imotivada exuberância; Sua completude divina continuamente transborda em contínua expressão criativa, o brincar incessante e transcendental do espírito.



Frederick Nietzsche, o filósofo que trouxe à cristandade a nova de que “Deus está morto”, certa vez ressalvou: “Eu acreditaria em um Deus que pudesse dançar”. Tendo isto em conta, seu ateísmo deve ser a compreensível reação a alguma ranzinza imagem teutônica de divindade – modelada, talvez, a partir de algum sisudo patriarca burguês cuja solenidade excluía a dança. Caso Nietzsche houvesse conhecido o Srimad-Bhagavatam, ele teria poupado a si mesmo e a outros de grande mágoa, haja vista que suas páginas descrevem extraordinariamente a dança transcendental de Deus, o mais belo e gracioso de todos os dançarinos.



Por que Deus deveria ser limitado de alguma maneira? Trata-se de encoberta inveja de Deus proibir-Lhe o que nós mesmos possuímos e desfrutamos. Ele é o nosso superior categórico e nos excede em todas as esferas: este é o próprio significado de Deus. Nós, por conseguinte, devemos compreender que tudo o que vemos aqui – todas as atividades, todos os relacionamentos, todos os desfrutes – tem sua perfeição consumada em Deus.



Deus, afinal, é a Verdade Absoluta, a única e exclusiva fonte de tudo. Tudo o que existe é, por assim dizer, clonado a partir dEle. O nosso mundo transitório é um reflexo turvo e deslustrado de Seu mundo eterno; a nossa sociedade, de Sua sociedade; os nossos relacionamentos, de Seus relacionamentos. Nós mesmos, sendo feitos à imagem divina, somos pequenos exemplares dEle. Consequentemente, estudando-nos e estudando o nosso mundo, podemos entender algo sobre Deus e sobre o Seu mundo. Vemos, por exemplo, que as pessoas possuem a disposição de lutar. Podemos compreender, por conseguinte, que a essa disposição existe em Deus. Similarmente, vemos em nosso mundo a atração sexual entre aqueles do sexo masculino e aqueles do sexo feminino. Tal atração, pois, também tem de residir em Deus. Deus é completo, e, longe de ser menos pessoa do que somos, é vastamente mais completamente pessoal.



Desta maneira, Ele luta e faz amor, e a razão pela qual os especuladores querem negar-Lhe essas atividades é pensarem que o Seu lutar e o Seu amar seriam maculados pelo ódio e pela luxúria que acompanham os nossos. Isto é um equívoco. As atividades de Deus, como o Seu nome e a Sua forma, não são materiais, senão que são completamente espirituais. Conquanto possa haver uma semelhança familiar entre a forma e as atividades de Deus e as nossas, devemos estar atentos para não Lhe atribuirmos os defeitos e debilidades das nossas; há uma diferença qualitativa.



Devemos compreender essa diferença de modo inteligente. Consideremos o atributo variedade. Como vimos, o Srimad-Bhagavatam revela esmagadora variedade na divindade. Deus exibe, por exemplo, uma infinitude de formas. Mas a unidade absoluta não é um atributo do espírito? Deus não é um? Isto é verdade, mas a unidade que apenas exclui ou nega a diversidade é material, unidade mundana. Podemos ver que semelhante unidade seria indigna de Deus, dado que a mesma O privaria de algo de valor. (E há variedade aqui; se não de Deus, de onde ela vem?). Logo, a unidade de Deus tem de ser transcendente: ela deve incluir – não excluir – a variedade. Tampouco Sua variedade é granjeada a custo da unidade. Este é o poder da transcendência: conciliar o um e os muitos em uma síntese superior. Embora essa unidade espiritual escape da compreensão da inteligência mundana, cabe bem dentro do âmbito do poder inescrutável de Deus.



O princípio da transcendental diversidade-na-unidade também nos ajuda a compreender a natureza espiritual do corpo de Deus. Conquanto Deus advenha em uma forma similar à nossa, essa forma é eterna e espiritual – não diferente, na verdade, do próprio Deus. Para Deus, não há divisão – como há para nós – de alma e corpo. E a forma de Deus é tão transcendentalmente unificada que cada e todo órgão possui em si mesmo as funções de todos os outros. Embora Krsna possa ter membros, cada membro é uma pessoa completa. (E, como Sua forma é espiritual, ela permanece eternamente no auge da juventude).



O mesmo princípio explica por que Deus pode aparecer em tantas formas diversas e, ainda assim, permanecer um e absoluto. O devoto puro, pela percepção espiritual, pode entender isto completamente, e Ele aprecia a insondável profundidade do atributo de Deus de ser pessoal mediante a multifacetada expressão desse atributo. As várias personalidades do Supremo único são manifestas no contexto de diferentes relacionamentos. Vemos o mesmo fenômeno em funcionamento na personalidade humana. Um homem mostrará diferentes facetas de sua personalidade em diferentes contextos: como, digamos, um juiz em trajes negros no tribunal, como um esposo relaxando sozinho com sua esposa, como um pai brincando com seus filhos, como um filho em visita aos seus pais, como um professor instruindo seus alunos, como um amigo fazendo palhaçada com seus companheiros e assim por diante.



Assim, é característico a pessoas exibirem muitas facetas, e quanto mais “bem integrada” é a pessoa, maior é a variedade de papéis e relacionamentos que ela pode manter sem perda de integridade. O mesmo princípio aplica-se, portanto, à Pessoa Suprema, mas, em Seu caso, tanto a integridade pessoal quanto a variedade de relações são levadas, como estabelecido, ao extremo.



Deus estabelece relações pessoais com ilimitadas almas, todas as quais são criadas e mantidas por Ele para esse próprio fim. A fim de facilitar essas relações, Ele Se expande em diferentes formas, mostrando-Se a Seus devotos puros de vários modos em resposta às maneiras com que eles aproximam-se dEle. Todas essas formas transcendentais são eternamente manifestas na morada espiritual de Deus. E, de tempos em tempos, uma ou outra dessas formas advém a fim mostrar-Se na escuridão do mundo material, iluminando o caminho de volta ao lar.



O veredicto do Srimad-Bhagavatam é que, de todos os adventos de Deus, Krsna é o mais elevado. Suta Gosvami, após concluir seu levantamento das encarnações, declara: ete camsa-kalah pumsah krsnas tu bhagavan svayam: “Todas as encarnações acima mencionadas são ou porções plenárias ou porções das porções plenárias do Senhor, mas o Senhor Sri Krsna é a Personalidade de Deus original”.



Por esta razão, o seguimento central do Srimad-Bhagavatam é uma extensa narração do advento do Senhor Krsna à Terra. Todo o Décimo Canto é devotado a isso, e o Srimad-Bhagavatam se constrói recontando muitos outros adventos divinos, levando-nos, deste modo, cada vez mais a fundo na compreensão acerca de Deus, e, assim, preparando-nos para a revelação última da divindade.



Essa revelação última é transmitida nos passatempos infantis e juvenis de Krsna na vila pastoril de Vrndavana. O que seria um paradoxo para olhos mundanos é claro para a visão purificada: que, aqui neste pequeno vilarejo, havia advindo à Terra não apenas Deus em Sua mais elevada manifestação, mas também toda a inteireza de Sua mais elevada morada. O Senhor, afinal, é inseparável de Seus devotos e de Sua morada, e, quando Krsna advém, todos advêm com Ele. Separado disto, não há Krsna manifesto, e, a fim de revelar-Se, Krsna tem, necessariamente, que revelar Seus devotos íntimos, Suas relações com eles, e os lugares de Suas atividades juntos.



A nossa idéia referente ao Senhor Supremo é, de maneira geral, condicionada a noções de poder e força e majestade – Ele é o que está assentado sobre o círculo da terra, cujos moradores são para ele como gafanhotos; é ele o que estende os céus como cortina, e os desenrola como tenda – o que é correto. Todas as escrituras, por fim, convidam-nos a reconhecermos a nossa subordinação a Ele. Quando, porém, nós o fizemos completamente, tornamo-nos elegíveis a receber a revelação de Deus de uma faceta outra e mais sublime dEle próprio, na qual Ele demonstra, desimpedidamente, um sedutor encanto de sentimentos. Tal é a Suprema Personalidade de Deus, Krsna, que, em Vrndavana, entra em relações íntimas de amor de forma a desenvolver inauditas intensidades de sentimento. A apetência do Senhor Supremo por amor é infinita: Ele Se chama Rasaraja, o mestre dos sentimentos de amor. Nessas trocas confidenciais de amor, alguns devotos amam-nO com emoções parentais, e o Senhor reciproca brincando como um menininho encantador e traquinas; outros devotos adoram-nO com sentimento fraternal, e o Senhor diverte-Se com eles, garoto entre garotos, como seu amigo do coração e parceiro espirituoso; ainda outros adoram Krsna com o fervente ardor do amor conjugal, e, em resposta, Ele atrai semelhante devotos e os galanteia como seu encantador pretendente e parte seus corações.



Reconhecemos esses sentimentos no mundo material, é claro, mas, em Vrndavana, residem as emoções originais e verdadeiramente espirituais, como manifestas no reino transcendental de Deus por meio das trocas de amor nos corpos espirituais. Relacionamentos e emoções materiais não podem nos ajudar a compreender esses sentimentos transcendentais. Visto os amores materiais serem vacilantes e evanescentes, eles são contaminados pela hesitação e pela dúvida, e transpassados por medo e receio. Eles são perniciosos, e o tempo e as mudanças os roubam todos. O amor direcionado a Krsna jamais morre; Sua beleza sempre nova e Sua eterna reciprocação fomentam esse amor incessantemente; sua intensidade cresce sem limites. Todos esses imortais sentimentos de Vrndavana, cada um com sua própria mistura de humores, são variedades de êxtase. São superemoções, as quais, por comparação, tornam os nossos mais estimados sentimentos terrestres franzinos, secos e insípidos.



Krsna significa “todo-atrativo”, e, em cumprimento ao significado de Seu nome, Ele revela-Se para incitar-nos a reviver a nossa relação perdida com Ele e para entrarmos com Ele nesses eternos passatempos de amor. Desta maneira, Ele mostra-nos o que significa inteiramente amar a Deus de todo o nosso coração, alma e mente. A maior parte de nós, não obstante, não pode perceber e experienciar diretamente a qualidade espiritual desses passatempos e sentimentos transcendentais. Eles são revelados, eles são disponibilizados, mas nós não os assimilamos como eles são. Podemos estar contemplando o espírito, mas vemos apenas matéria.



Neste ponto, faz-se necessário tocar em um ponto delicado. Deus Se revela a nós como nos rendemos a Ele. Rendermo-nos a Deus significa retirar o nosso interesse e o nosso desejo de tudo o que não é Deus. Completa rendição significa ter Deus, e somente Deus, como o nosso fim e o nosso meio. Devemos devotar-Lhe todo o nosso coração, alma e mente. Tal pureza é necessária.



Deus, é claro, também permite a rendição parcial, com a esperança de gradual avanço. Em toda tradição religiosa, há desfrute material escrituralmente sancionado – leiamos desfrute como envolvimento com coisas que não Deus. Uma vez que esse materialismo é restrito e regulado, ele é, nesse aspecto, bom. Em última instância, todavia, ele também deve ser abandonado: “Abandona toda religião materialmente motivada e rende-te a Mim”. Resistir a essa solicitação com base no fato de que o nosso materialismo é escrituralmente sancionado é tornar o bom o inimigo do melhor. Simplesmente retardamos o nosso progresso no caminho espiritual e permanecemos mais ou menos distantes da Personalidade de Deus.



Essa pureza de coração necessária para ver Deus talvez pareça distante do nosso alcance, mas não é o caso. Krsna revelou verdadeiramente a Si mesmo: A mesma escritura que transmite essa revelação ao mundo – o Srimad-Bhagavatam – transmite, ao mesmo tempo, o processo para purificarmo-nos a fim de podermos receber a revelação de Krsna. Esse processo é a prática do serviço devocional centrado na audição da narração pura dos gloriosos passatempos de Deus. Em outras palavras, o próprio Srimad-Bhagavatam, quando falado por alguém que é puro, purifica-nos – “Ele purifica o desejo por desfrute material no coração do devoto” (1.3.17) – de forma que nós possamos pessoalmente perceber Krsna como Ele é. Embora Krsna tenha advindo cinco mil anos atrás, Ele permanece completamente acessível a nós no Srimad-Bhagavatam. A única coisa pela qual a revelação aguarda somos nós.





Tradução de Bhagavan dasa (DvS)

Quando Deus Advém



When God Descends



Sua Graça Ravindra Svarupa dasa

Por todo o mundo, encontramos o tipo de literatura que chamamos de escritura. Essas obras contam-nos um tipo particular de história. Elas contam aquelas ocasiões extraordinárias em que o divino penetrou o nosso mundo, e os nossos pequenos espaço e tempo abrigaram, por um tempo, o eterno e infinito. As testemunhas dessas incursões, completamente mudadas pelo que viram, vêem-se compelidas a derramar sobre os ouvidos indiferentes e descrentes do mundo suas narrativas singulares e poderosas. E simplesmente porque essas testemunhas foram tão mudadas, outros ouviram e também mudaram.



A partir desses relatos escriturais, vemos que o divino advém de várias maneiras. No Pentateuco, por exemplo, Deus entremete-Se em nosso mundo basicamente por meio de atos maravilhosos de poder divino: Ele infesta os egípcios com sapos e moscas, piolhos e gafanhotos, transforma seu rio em sangue, e ceifa a vida de seus primogênitos. Ele liberta Seu povo abrindo o Mar Vermelho, e apresenta diante deles uma nuvem de fumaça durante o dia e um pilar de fogo durante a noite como faróis a guiarem-nos através do deserto.



Ocasionalmente, Deus coloca-Se especialmente perto, embora permaneça, mesmo então, como uma presença estupenda e incompreensível bem atrás do véu fenomênico. Sua proximidade faz com que a natureza ferva e exploda; parece que, a qualquer momento, Ele possivelmente estourará através da fina cortina da natureza e emergirá inteiramente sobre o palco – mas Ele nunca o faz. Quando Deus pela primeira vez colocou-Se perante Moisés, um arbusto queima furiosamente e não é consumido, enquanto que Moisés temerosamente evita fixar seu olhar sobre o mesmo. Quando o Senhor advém sobre o topo do Monte Sinai, a ladeira treme, e uma densa nuvem, matizada de fogo, perturba e troveja em torno do pico oculto. Moisés some para dentro da nuvem a fim de parlamentar demoradamente com Deus. Em seguida, ele relata ter tido apenas o mais fugidio relance das costas do Senhor indo embora, sem jamais ter visto Seu rosto.



Outro celebrado ingresso do divino em nosso mundo é ainda mais severamente restrito: Maomé, filho de Abdullah, meditando durante o calor do Ramadã no monte Hira, fora de Meca, ouve o comando de uma voz magnífica: "Lê!". "Não sei ler", vem sua aterrorizada resposta. Novamente: "Lê!". A mesma resposta mais uma vez. A voz, ainda mais terrível, comanda uma terceira vez: "Lê!". Maomé responde: "O que devo ler?". A voz diz:



Lê: Em nome do teu Senhor que criou. Criou o homem a partir de um coágulo. Lê: É teu Senhor o mais bondoso, aquele que ensinou pelo cálamo, ensinou o homem aquilo que ele não sabia.



Desta maneira, a primeira de muitas de tais "leituras" torna-se manifesta na Terra. Juntas, elas constituem o Qur'an (Corão), entregue a Maomé, o mensageiro de Deus, por Gabriel, o emissário de Deus, “que permanecia suspenso entre o céu e a terra, que abordou e chegou tão perto quanto a medida de dois arcos, ou até mesmo mais perto”. Seus encontros formam o conduto através do qual o incriado Qur'an, “preservado eternamente na tábua do céu”, advém à Terra. Neste caso, Deus não entra em nosso reino mundano em pessoa, mas vem na forma de Sua palavra transcendental que torna manifesta a Sua vontade.



Aqui, a palavra de Deus advém ao mundo. O Novo Testamento, entretanto, fala sobre um advento em que "a Palavra se fez carne". A natureza divina se corporifica na pessoa humana de Jesus Cristo, o Filho de Deus. Jesus declara: "Eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade dAquele que me enviou", e confessa: "De maneira autônoma, nada posso fazer". Deste modo, Jesus revela-se um servo eterno de Deus, dizendo: "meu Pai é maior do que eu". Porém, porque é rendido a Deus sem reservas, Deus torna-Se manifesto nele para nós: “As palavras que eu vos digo não as digo eu mesmo, mas o Pai, que está em mim, é quem faz as obras. Acreditai em mim que eu estou no Pai e que o Pai está em mim”. A pessoa de Jesus, por conseguinte, é, em si mesma, a revelação de Deus: “Aquele que viu a mim viu o Pai”, pois “eu e o Pai somos um”.



Porque diferentes escrituras reportam adventos divinos tão vastamente diferentes e conduzem-nos à rendição a Deus sob diferentes nomes - Jeová, Alá, Jesus e assim por diante - e porque os seguidores de uma escritura tendem a condenar os seguidores de todas as outras como infiéis ou pagãos ou hereges, muitas pessoas ficam perplexas ou desgostosas. A religião, desta forma, fica mal tida pelas pessoas em geral. As pessoas se perguntam: "Se há um Deus, por que Ele deveria Se manifestar de diferentes maneiras e fornecer diferentes instruções?".



Há uma resposta a essa pergunta em uma outra escritura, o Bhagavad-gita. Esta canção (gita) foi cantada por Deus (bhagavan) durante Seu advento à Terra cinco milênios atrás. O Senhor - conhecido como Krsna, "o todo-atrativo" - dirige-Se ao Seu amigo e discípulo Arjuna: "Da maneira com que todos Se rendem a Mim, Eu os recompenso de acordo. Todos seguem o Meu caminho sob todos os aspectos, ó filho de Prtha" (Bg. 4.11).



Considerado como uma resposta ao problema da diversidade religiosa, esta declaração judiciosamente nos conduz entre extremos. Ela evita, de um lado, aquelas formas de sectarismo que concedem a uma tradição religiosa em particular direitos autorais exclusivos sobre Deus: "Todos seguem o Meu caminho sob todos os aspectos". Por outro lado, rejeita o sentimentalismo que endossa, sem nenhum senso crítico, toda e qualquer forma de espiritualidade. Krsna, na verdade, oferece um princípio mediante o qual podemos discriminar entre eles: "Da maneira com que todos Se rendem a Mim, Eu os recompenso de acordo".



A palavra sânscrita traduzida aqui como "recompenso" - bhajami - é rica em significado. Ela é formada a partir de uma palavra que significa fundamentalmente "distribuir", "compartilhar com". Mais frequentemente, contudo, significa "servir com amor", ou, em um sentido mais vago, "adorar". Vemos, assim, que Krsna está estabelecendo um princípio de reciprocação. Deus reciproca conosco justamente distribuindo-Se - revelando-Se - a nós proporcionalmente ao nível em que nos rendemos a Ele.



A "recompensa" de Deus, portanto, pode ser qualquer uma de uma hierarquia de respostas ao longo do caminho progressivo do serviço divino. Na parte mais baixa desse caminho, por exemplo, uma pessoa pode servir fielmente Deus em prol do logramento de bênçãos materiais. Deus reciproca outorgando-lhe o desejo. Embora o adorador desfrute apenas de um benefício material e temporário (não espiritual e eterno), ele aceita sua recompensa como reciprocação divina - para ele, trata-se de uma revelação de Deus - e sua fé reforçada o mantém no caminho da devoção. No que diz respeito àqueles devotos avançados que não desejam nada material ou espiritual em troca de seu serviço oferecido de todo coração, Krsna os recompensa de forma diferente: Ele Se revela inteiramente, e, em uma troca doce e íntima, serve os devotos tal qual os devotos O servem.



Deus declara: “Todos seguem o Meu caminho”. Como há um Deus, há uma religião: o serviço devocional a Deus em completa rendição. Não devemos ser desorientados por designações sectárias. Embora “Islã”, por exemplo, seja uma palavra utilizada para denotar uma comunidade sectária ou sua fé, o termo al islã em si não é exclusivo ou particular, senão que significa simplesmente “a submissão”, ou “a rendição”. Essa religião única, verdadeira, essencial e universal também é seguramente indicada por Jesus. Quando solicitado a citar o mais grandioso mandamento da lei, ele respondeu, citando o Pentateuco: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de toda a tua mente”.



O Senhor Krsna, de modo similar, aponta a religião essencial ao fim do Bhagavad-gita. Tendo examinado muitos processos espirituais – trabalho piedoso, rituais religiosos, meditação ióguica, adoração de semideuses, discriminação filosófica entre matéria e espírito – e tendo mostrado que eles nada são além de vários degraus no caminho até a completa devoção a Deus, Krsna convida-nos conclusivamente a irmos diretamente a esse ponto. “Abandona todas as variedades de religião”, Ele incita Arjuna, “e simplesmente rende-te a Mim” (Bg. 18.66).



Todavia, porque somos, em vários níveis, resistentes ao chamado divino de completa rendição, Deus permite o nosso avanço gradual, instruindo-nos e revelando-Se na extensão de nossa disposição de serviço ou – a mesma coisa – na extensão em que nossa pureza espiritual permite. Assim, o elemento da relatividade adentra a interação divino/humano de maneira a fazer surgir as variedades de religião. Em todo caso, entretanto, o fundador da religião é Deus e ninguém mais. Como o Srimad-Bhagavatam (uma escritura sobre a qual consideraremos adiante) nos diz, dharmam tu saksad bhagavat-pranitam (Bhag. 6.3.19): “O caminho da religião é estabelecido diretamente pelo próprio Senhor Supremo”.



Para esse propósito, Deus advém muitas vezes. Krsna anuncia o princípio geral governando Sua entrada neste mundo: “Quando e onde quer que haja um declínio na prática religiosa e um crescimento predominante de irreligião – nesse momento, Eu advenho. Para libertar os piedosos e aniquilar os descrentes, bem como para restabelecer os princípios da religião, Eu mesmo apareço, milênio após milênio” (Bg. 4.7-8).



Nenhum tempo e nenhum lugar tem monopólio sobre a auto-revelação de Deus. Deus vem quando Ele é necessário, sempre com a mesma missão: reparar e restaurar o caminho da religião devastado pelo tempo, coberto de matagal e corroído por negligência e abuso. Desta maneira, o Senhor não apenas estabelece a religião na Terra, senão que retorna repetidamente como o incessante mantenedor da mesma.



Dessarte, não precisamos nos alarmar diante do número e da variedade de aparecimentos de Deus relatados nas escrituras reveladas do mundo. Respondendo gratamente à bondade divina, devemos aspirar a uma perspectiva inclusiva e aberta, compreendendo cada advento particular de Deus de acordo com o princípio de que a revelação é reciprocada pela rendição.



Podemos buscar ajuda para essa diligência no Srimad-Bhagavatam. Tanto o Bhagavad-gita quanto o Srimad-Bhagavatam foram revelados à Terra no período do advento de Krsna cinco mil anos atrás, e, juntos, possuem uma posição distinta na vasta biblioteca indiana de sabedoria espiritual, a literatura Védica. O Srimad-Bhagavatam, “a escritura pós-graduada”, transmite a última palavra em conhecimento Védico, e o Bhagavad-gita transmite especificamente as instruções a qualificarem o indivíduo para abordar o Srimad-Bhagavatam.



A literatura Védica, em sua catolicidade, provê algo para o avanço de todos no caminho espiritual. O Srimad-Bhagavatam compara os Vedas a uma “árvore-dos-desejos” – a árvore celeste cujos ramos produzem toda variedade de frutas. Quando, com o tempo, os seguidores dos Vedas tornaram-se confusos por esta diversidade e perderam de vista o verdadeiro propósito do ensinamento Védico, o autor dos Vedas – o próprio Deus – adveio e entregou o Seu Gita. Ali, como mencionado, Ele revê todas as práticas Védicas e, com Sua autoridade, restabelece a conclusão Védica final: “Abandona todas as variedades de ‘religião’ e simplesmente rende-te a Mim”.



Tendo aceito esta instrução, estamos aptos para o Srimad-Bhagavatam, como o prelúdio de tal obra indica: “Rejeitando completamente todas as atividades religiosas motivadas por desejos materiais, este Srimad-Bhagavatam propõe a verdade mais elevada, que é compreensível por aqueles devotos que são completamente puros de coração” (1.1.2). O Srimad-Bhagavatam é, por conseguinte, “o fruto maduro da árvore-dos-desejos dos Vedas” (1.1.3).



Srimad significa “belo”, “esplêndido” ou “ilustre”, e Bhagavatam significa “vindo de Deus ou relacionado a Deus”. Este “Belo Livro de Deus” é uma compilação enciclopédica dos admiráveis feitos de Deus enquanto Se divertia na Terra em numerosas aventuras. Seus passatempos – atestando plenamente Sua inexaurível faculdade inventiva, Sua completa exuberância – desvelam perante nossos maravilhados olhos panoramas arrebatadores da divindade a brincar. Tendo saboreado essa fruta madura da árvore Védica da sabedoria, o indivíduo contrai a ânsia de atirar-se diante daquelas pessoas de alma estéril que, na aridez de seu entendimento pessoal, perderam todo gosto por Deus, e implora: “Lê este belo livro!”.



“Por favor, lê este belíssimo livro!”. Aqueles confortáveis com uma idéia mais constringida de Deus talvez se choquem ou se surpreendam ante o grande número e a grande variedade de aparecimentos de Deus. Em um dos capítulos do começo do Bhagavatam, o santo Suta Gosvami, falando perante uma audiência de sábios, lista vinte e duas encarnações (tanto do passado como do futuro) e faz uma observação: “Ó brahmanas, as encarnações do Senhor são inumeráveis, como regatos fluindo a partir de inesgotáveis fontes de água” (1.3.26). Um capítulo mais adiante (2.7), “Encarnações Anunciadas com Funções Específicas”, contém um compêndio ainda mais extenso. O Srimad-Bhagavatam é, em grande medida, devotado a detalhadas exposições dessas encarnações, uma após a outra, conduzindo e preparando o leitor para a narração última, aquela dos passatempos do próprio Krsna.



Assim, encontramos Deus em muitas formas. Ele advém, por exemplo, como Matsya, o leviatã que salvou os Vedas do dilúvio mesmo enquanto Se divertia nas vastas águas; advém como Varaha, o javali que ergueu do abismo a Terra caída e aniquilou em um único combate aquele que a violava; advém como o sábio Narada, o eterno viajante espacial que migra de planeta a planeta ao longo do universo pregando e cantando as glórias do Senhor; advém como Nrsimha, o prodigioso homem-leão que, em uma estupenda epifania de poder, socorreu Seu devoto, um menino de seis anos, matando – de maneira espetacular – seu torturador, um tirano ateísta interplanetário que era o próprio pai do garoto; advém como Vamana, o belo anão que atravessou todo o universo com três longos passos; advém como Parasurama, aquele que porta um machado e que puniu vinte e uma gerações de homens da realeza por desviarem-se dos princípios de conduta divina; advém como o Senhor Ramacandra, o exemplar regente divino, rei perfeito e a personificação da moralidade em ofício; e advém como muitas outras personalidades insignes e inesquecíveis que apareceram a fim de ensinar, proteger, liderar e inspirar a humanidade.



Tudo isto ser muitíssimo incrível conduz à incredulidade. Todavia, consideremos: Deus não é, por definição, o ser mais incrível de todos? Assim sendo, o nosso princípio deve ser: quanto mais incrível o relato, mais aberto devemos estar a ele. Por que exigir que Deus Se reduza de sorte a adequar-Se à nossa compreensão prosaica? Quanto mais incrível Ele for, mais divino Ele é.



Podemos detectar um elemento inconfundível de brincadeira em muitos adventos divinos, e isso talvez também cause dúvidas. Isso, porém, seria outro caso no qual insensatamente impomos restrições a Deus. Deus é brincalhão: o termo sânscrito para atividade divina é, na verdade, lila – brincar ou divertir-se. Mediante Seu poder inconcebível, Deus une perfeitamente em Seus adventos um propósito muito sério, salvar a humanidade, com grande diversão. Destarte, como Matsya, Ele retouça nas ondas do dilúvio; como Varaha, desfruta de uma boa luta. Em todos os adventos, nós O vemos deleitando-Se no aproveitamento das possibilidades de um papel em particular, um ator no palco.



A idéia de lila captura um elemento definidor da atividade divina: ela é imotivada. Todos os atos humanos originam-se de motivos, do desejo de termos o que nos falta ou do medo de um dia faltar-nos. Deus, entretanto, já tem tudo. Ele nada tem a ganhar ou a perder. O que existe, portanto, a impeli-lO à ação?



“Nada”, dizem muitos especuladores. E eles concluem que Deus é estático, inerte. Caso isto fosse verdade, Deus seria, na verdade, depauperado. Ao contrário, Deus é completo, e Ele age exatamente em Sua completude: Ele brinca. A nossa noção de brincar transmite parcialmente o espírito correto: fazer algo sem nenhum outro motivo além da própria diversão do fazer, pelo júbilo da ação por si mesmo. A lila divina, portanto: Deus age por pura e imotivada exuberância; Sua completude divina continuamente transborda em contínua expressão criativa, o brincar incessante e transcendental do espírito.



Frederick Nietzsche, o filósofo que trouxe à cristandade a nova de que “Deus está morto”, certa vez ressalvou: “Eu acreditaria em um Deus que pudesse dançar”. Tendo isto em conta, seu ateísmo deve ser a compreensível reação a alguma ranzinza imagem teutônica de divindade – modelada, talvez, a partir de algum sisudo patriarca burguês cuja solenidade excluía a dança. Caso Nietzsche houvesse conhecido o Srimad-Bhagavatam, ele teria poupado a si mesmo e a outros de grande mágoa, haja vista que suas páginas descrevem extraordinariamente a dança transcendental de Deus, o mais belo e gracioso de todos os dançarinos.



Por que Deus deveria ser limitado de alguma maneira? Trata-se de encoberta inveja de Deus proibir-Lhe o que nós mesmos possuímos e desfrutamos. Ele é o nosso superior categórico e nos excede em todas as esferas: este é o próprio significado de Deus. Nós, por conseguinte, devemos compreender que tudo o que vemos aqui – todas as atividades, todos os relacionamentos, todos os desfrutes – tem sua perfeição consumada em Deus.



Deus, afinal, é a Verdade Absoluta, a única e exclusiva fonte de tudo. Tudo o que existe é, por assim dizer, clonado a partir dEle. O nosso mundo transitório é um reflexo turvo e deslustrado de Seu mundo eterno; a nossa sociedade, de Sua sociedade; os nossos relacionamentos, de Seus relacionamentos. Nós mesmos, sendo feitos à imagem divina, somos pequenos exemplares dEle. Consequentemente, estudando-nos e estudando o nosso mundo, podemos entender algo sobre Deus e sobre o Seu mundo. Vemos, por exemplo, que as pessoas possuem a disposição de lutar. Podemos compreender, por conseguinte, que a essa disposição existe em Deus. Similarmente, vemos em nosso mundo a atração sexual entre aqueles do sexo masculino e aqueles do sexo feminino. Tal atração, pois, também tem de residir em Deus. Deus é completo, e, longe de ser menos pessoa do que somos, é vastamente mais completamente pessoal.



Desta maneira, Ele luta e faz amor, e a razão pela qual os especuladores querem negar-Lhe essas atividades é pensarem que o Seu lutar e o Seu amar seriam maculados pelo ódio e pela luxúria que acompanham os nossos. Isto é um equívoco. As atividades de Deus, como o Seu nome e a Sua forma, não são materiais, senão que são completamente espirituais. Conquanto possa haver uma semelhança familiar entre a forma e as atividades de Deus e as nossas, devemos estar atentos para não Lhe atribuirmos os defeitos e debilidades das nossas; há uma diferença qualitativa.



Devemos compreender essa diferença de modo inteligente. Consideremos o atributo variedade. Como vimos, o Srimad-Bhagavatam revela esmagadora variedade na divindade. Deus exibe, por exemplo, uma infinitude de formas. Mas a unidade absoluta não é um atributo do espírito? Deus não é um? Isto é verdade, mas a unidade que apenas exclui ou nega a diversidade é material, unidade mundana. Podemos ver que semelhante unidade seria indigna de Deus, dado que a mesma O privaria de algo de valor. (E há variedade aqui; se não de Deus, de onde ela vem?). Logo, a unidade de Deus tem de ser transcendente: ela deve incluir – não excluir – a variedade. Tampouco Sua variedade é granjeada a custo da unidade. Este é o poder da transcendência: conciliar o um e os muitos em uma síntese superior. Embora essa unidade espiritual escape da compreensão da inteligência mundana, cabe bem dentro do âmbito do poder inescrutável de Deus.



O princípio da transcendental diversidade-na-unidade também nos ajuda a compreender a natureza espiritual do corpo de Deus. Conquanto Deus advenha em uma forma similar à nossa, essa forma é eterna e espiritual – não diferente, na verdade, do próprio Deus. Para Deus, não há divisão – como há para nós – de alma e corpo. E a forma de Deus é tão transcendentalmente unificada que cada e todo órgão possui em si mesmo as funções de todos os outros. Embora Krsna possa ter membros, cada membro é uma pessoa completa. (E, como Sua forma é espiritual, ela permanece eternamente no auge da juventude).



O mesmo princípio explica por que Deus pode aparecer em tantas formas diversas e, ainda assim, permanecer um e absoluto. O devoto puro, pela percepção espiritual, pode entender isto completamente, e Ele aprecia a insondável profundidade do atributo de Deus de ser pessoal mediante a multifacetada expressão desse atributo. As várias personalidades do Supremo único são manifestas no contexto de diferentes relacionamentos. Vemos o mesmo fenômeno em funcionamento na personalidade humana. Um homem mostrará diferentes facetas de sua personalidade em diferentes contextos: como, digamos, um juiz em trajes negros no tribunal, como um esposo relaxando sozinho com sua esposa, como um pai brincando com seus filhos, como um filho em visita aos seus pais, como um professor instruindo seus alunos, como um amigo fazendo palhaçada com seus companheiros e assim por diante.



Assim, é característico a pessoas exibirem muitas facetas, e quanto mais “bem integrada” é a pessoa, maior é a variedade de papéis e relacionamentos que ela pode manter sem perda de integridade. O mesmo princípio aplica-se, portanto, à Pessoa Suprema, mas, em Seu caso, tanto a integridade pessoal quanto a variedade de relações são levadas, como estabelecido, ao extremo.



Deus estabelece relações pessoais com ilimitadas almas, todas as quais são criadas e mantidas por Ele para esse próprio fim. A fim de facilitar essas relações, Ele Se expande em diferentes formas, mostrando-Se a Seus devotos puros de vários modos em resposta às maneiras com que eles aproximam-se dEle. Todas essas formas transcendentais são eternamente manifestas na morada espiritual de Deus. E, de tempos em tempos, uma ou outra dessas formas advém a fim mostrar-Se na escuridão do mundo material, iluminando o caminho de volta ao lar.



O veredicto do Srimad-Bhagavatam é que, de todos os adventos de Deus, Krsna é o mais elevado. Suta Gosvami, após concluir seu levantamento das encarnações, declara: ete camsa-kalah pumsah krsnas tu bhagavan svayam: “Todas as encarnações acima mencionadas são ou porções plenárias ou porções das porções plenárias do Senhor, mas o Senhor Sri Krsna é a Personalidade de Deus original”.



Por esta razão, o seguimento central do Srimad-Bhagavatam é uma extensa narração do advento do Senhor Krsna à Terra. Todo o Décimo Canto é devotado a isso, e o Srimad-Bhagavatam se constrói recontando muitos outros adventos divinos, levando-nos, deste modo, cada vez mais a fundo na compreensão acerca de Deus, e, assim, preparando-nos para a revelação última da divindade.



Essa revelação última é transmitida nos passatempos infantis e juvenis de Krsna na vila pastoril de Vrndavana. O que seria um paradoxo para olhos mundanos é claro para a visão purificada: que, aqui neste pequeno vilarejo, havia advindo à Terra não apenas Deus em Sua mais elevada manifestação, mas também toda a inteireza de Sua mais elevada morada. O Senhor, afinal, é inseparável de Seus devotos e de Sua morada, e, quando Krsna advém, todos advêm com Ele. Separado disto, não há Krsna manifesto, e, a fim de revelar-Se, Krsna tem, necessariamente, que revelar Seus devotos íntimos, Suas relações com eles, e os lugares de Suas atividades juntos.



A nossa idéia referente ao Senhor Supremo é, de maneira geral, condicionada a noções de poder e força e majestade – Ele é o que está assentado sobre o círculo da terra, cujos moradores são para ele como gafanhotos; é ele o que estende os céus como cortina, e os desenrola como tenda – o que é correto. Todas as escrituras, por fim, convidam-nos a reconhecermos a nossa subordinação a Ele. Quando, porém, nós o fizemos completamente, tornamo-nos elegíveis a receber a revelação de Deus de uma faceta outra e mais sublime dEle próprio, na qual Ele demonstra, desimpedidamente, um sedutor encanto de sentimentos. Tal é a Suprema Personalidade de Deus, Krsna, que, em Vrndavana, entra em relações íntimas de amor de forma a desenvolver inauditas intensidades de sentimento. A apetência do Senhor Supremo por amor é infinita: Ele Se chama Rasaraja, o mestre dos sentimentos de amor. Nessas trocas confidenciais de amor, alguns devotos amam-nO com emoções parentais, e o Senhor reciproca brincando como um menininho encantador e traquinas; outros devotos adoram-nO com sentimento fraternal, e o Senhor diverte-Se com eles, garoto entre garotos, como seu amigo do coração e parceiro espirituoso; ainda outros adoram Krsna com o fervente ardor do amor conjugal, e, em resposta, Ele atrai semelhante devotos e os galanteia como seu encantador pretendente e parte seus corações.



Reconhecemos esses sentimentos no mundo material, é claro, mas, em Vrndavana, residem as emoções originais e verdadeiramente espirituais, como manifestas no reino transcendental de Deus por meio das trocas de amor nos corpos espirituais. Relacionamentos e emoções materiais não podem nos ajudar a compreender esses sentimentos transcendentais. Visto os amores materiais serem vacilantes e evanescentes, eles são contaminados pela hesitação e pela dúvida, e transpassados por medo e receio. Eles são perniciosos, e o tempo e as mudanças os roubam todos. O amor direcionado a Krsna jamais morre; Sua beleza sempre nova e Sua eterna reciprocação fomentam esse amor incessantemente; sua intensidade cresce sem limites. Todos esses imortais sentimentos de Vrndavana, cada um com sua própria mistura de humores, são variedades de êxtase. São superemoções, as quais, por comparação, tornam os nossos mais estimados sentimentos terrestres franzinos, secos e insípidos.



Krsna significa “todo-atrativo”, e, em cumprimento ao significado de Seu nome, Ele revela-Se para incitar-nos a reviver a nossa relação perdida com Ele e para entrarmos com Ele nesses eternos passatempos de amor. Desta maneira, Ele mostra-nos o que significa inteiramente amar a Deus de todo o nosso coração, alma e mente. A maior parte de nós, não obstante, não pode perceber e experienciar diretamente a qualidade espiritual desses passatempos e sentimentos transcendentais. Eles são revelados, eles são disponibilizados, mas nós não os assimilamos como eles são. Podemos estar contemplando o espírito, mas vemos apenas matéria.



Neste ponto, faz-se necessário tocar em um ponto delicado. Deus Se revela a nós como nos rendemos a Ele. Rendermo-nos a Deus significa retirar o nosso interesse e o nosso desejo de tudo o que não é Deus. Completa rendição significa ter Deus, e somente Deus, como o nosso fim e o nosso meio. Devemos devotar-Lhe todo o nosso coração, alma e mente. Tal pureza é necessária.



Deus, é claro, também permite a rendição parcial, com a esperança de gradual avanço. Em toda tradição religiosa, há desfrute material escrituralmente sancionado – leiamos desfrute como envolvimento com coisas que não Deus. Uma vez que esse materialismo é restrito e regulado, ele é, nesse aspecto, bom. Em última instância, todavia, ele também deve ser abandonado: “Abandona toda religião materialmente motivada e rende-te a Mim”. Resistir a essa solicitação com base no fato de que o nosso materialismo é escrituralmente sancionado é tornar o bom o inimigo do melhor. Simplesmente retardamos o nosso progresso no caminho espiritual e permanecemos mais ou menos distantes da Personalidade de Deus.



Essa pureza de coração necessária para ver Deus talvez pareça distante do nosso alcance, mas não é o caso. Krsna revelou verdadeiramente a Si mesmo: A mesma escritura que transmite essa revelação ao mundo – o Srimad-Bhagavatam – transmite, ao mesmo tempo, o processo para purificarmo-nos a fim de podermos receber a revelação de Krsna. Esse processo é a prática do serviço devocional centrado na audição da narração pura dos gloriosos passatempos de Deus. Em outras palavras, o próprio Srimad-Bhagavatam, quando falado por alguém que é puro, purifica-nos – “Ele purifica o desejo por desfrute material no coração do devoto” (1.3.17) – de forma que nós possamos pessoalmente perceber Krsna como Ele é. Embora Krsna tenha advindo cinco mil anos atrás, Ele permanece completamente acessível a nós no Srimad-Bhagavatam. A única coisa pela qual a revelação aguarda somos nós.





Tradução de Bhagavan dasa (DvS)